O presidente Lula abriu, nesta terça-feira (19), o debate de líderes da 78ª Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA). Com um discurso em que conclamou o mundo a se unir no combate à desigualdade, ele ressaltou que o problema está na raiz de desafios urgentes como a pobreza, a fome, o desemprego e as mudanças climáticas, entre outros. Lula fez críticas e cobranças aos países ricos e ao sistema de governança global, dos quais, segundo ele, falta vontade política para trabalhar por um mundo mais justo e igualitário.
“O mundo está cada vez mais desigual. Os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade. O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe”, afirmou o presidente. “É preciso, antes de tudo, vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo”, acrescentou, reforçando a bandeira que tem empunhado nos diversos fóruns multilaterais de que participa.
Ele reafirmou que o Brasil, ao assumir a presidência do G20 em dezembro, terá como pauta principal o combate a todas as formas de desigualdade. “Não mediremos esforços para colocar no centro da agenda internacional o combate às desigualdades em todas as suas dimensões”, disse. “Sob o lema Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável, a presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome; desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global”.
O presidente enfatizou que a desigualdade precisa inspirar indignação. “Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano. Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo ao nosso redor”, disse.
Para Lula, “a ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno, mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la”.
Preconceito
Em sua oitava participação no evento, Lula foi o primeiro a discursar, seguindo a tradição da ONU que atribui ao governo do Brasil a manifestação inicial. No discurso, ele afirmou que a desigualdade está na origem também das dificuldades de acesso à educação e aos serviços de saúde, da insegurança energética, das crescentes tensões geopolíticas, da intolerância e do preconceito.
“O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar. Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los”, enfatizou Lula.
O presidente lamentou que a mais ampla e ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – “pode se transformar no seu maior fracasso”. Segundo ele, o mundo ainda está distante do alcance das metas definidas.
“A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento. O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado. Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da Agenda 2030”, declarou Lula. “Reduzir as desigualdades dentro dos países requer incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio”.
O presidente ressaltou que o governo brasileiro está comprometido com a implementação de todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível.
Ele citou como exemplos o Plano Brasil sem Fome, o Bolsa Família, a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função, o combate ao feminicídio e a todas as formas de violência contra as mulheres, a defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência e o resgate da participação social como ferramenta estratégica para a execução de políticas públicas. “Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente”, destacou.
Democracia
Lula afirmou também que a defesa firme da democracia é um instrumento fundamental para o combate à desigualdade. “Se hoje retorno [à ONU] na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país. A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão. A esperança, mais uma vez, venceu o medo”, afirmou. “Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre”.
O presidente acrescentou que o Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com sua região, com o mundo e com o multilateralismo. “Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta”, disse Lula, que destacou a retomada do protagonismo do país nas discussões de interesse mundial, após anos de isolamento provocado por uma política externa totalmente equivocada.
“Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais. Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos”, disse.
Crise climática
Ao falar sobre as mudanças climáticas, o presidente criticou as potências mundiais e cobrou o cumprimento da promessa de apoiar os países em desenvolvimento em projetos de sustentabilidade ambiental.
“Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar 100 bilhões de dólares – anualmente – para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa”, lamentou. “Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares”.
Segundo Lula, agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. “Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima”, disse. “Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera”.
Lula disse que a emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado. “Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, sublinhou, acrescentando que são as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima. “Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo”, enfatizou.
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Como exemplo, o presidente destacou que o Brasil já provou e vai provar mais uma vez que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível. “Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. 87% da nossa energia elétrica provém de fontes limpas e renováveis. A geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano. É enorme o potencial de produção de hidrogênio verde”, ressaltou.
Amazônia
Lula citou ainda o Plano de Transformação Ecológica, pelo qual o Brasil aposta na industrialização e infraestrutura sustentáveis. Ele também destacou a expressiva redução do desmatamento da floresta Amazônica. “Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais. Ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%”, pontuou
Entre outras ações ambientais citadas no discurso, Lula destacou a realização da Cúpula de Belém, realizada há um mês, na capital do estado do Pará, com a participação de todos os representantes dos países amazônicos e também de líderes de nações detentoras de grandes florestas de outros continentes. Durante o encontro, foi lançada uma agenda de colaboração entre os participantes, que será apresentada durante a COP28, marcada para acontecer de 30 de novembro a 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Ao falar dessa atuação conjunta, Lula citou o aprofundamento do diálogo com países detentores de florestas tropicais da África e da Ásia. “Queremos chegar à COP 28 em Dubai com uma visão conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preservação das bacias Amazônica, do Congo e do Bornéu-Mekong a partir das nossas necessidades”, declarou.
“O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si”, enfatizou o presidente brasileiro. “Somos 50 milhões de sul-americanos amazônidas, cujo futuro depende da ação decisiva e coordenada dos países que detêm soberania sobre os territórios da região”.
Protagonismo brasileiro
O discurso de Lula reforçou o papel do Brasil como porta-voz das nações em desenvolvimento, por meio da defesa de mudanças no sistema de governança global, considerado pelo presidente como incapaz de dar conta do enfrentamento aos problemas que ameaçam a humanidade. Segundo o mandatário, “o princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo – o da igualdade soberana entre as nações – vem sendo corroído”.
“Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego. Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução. No ano passado, o FMI disponibilizou 160 bilhões de dólares em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas 34 bilhões para países africanos”, criticou o presidente.
Ele acrescentou que “a representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável” e que “não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo”.
Segundo destacou, as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. “O BRICS surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes. A ampliação recente do grupo na Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21. Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo”, disse Lula.
O presidente afirmou ainda que o protecionismo dos países ricos ganhou força e lamentou que a Organização Mundial do Comércio (OMC) permaneça paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias. “Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento de Doha. Nesse ínterim, o desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens. Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a voz dos mercados e a voz das ruas”, afirmou.
Nesse sentido, Lula reforçou críticas ao neoliberalismo, que, segundo ele, agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. “Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”, ressaltou.
Lula disse ainda repudiar “uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores”. Segundo ele, “precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU”. “Políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital são essenciais para a promoção dos valores democráticos e da defesa do Estado de Direito”, disse.
Liberdade de imprensa
Outro tema abordado no discurso foi a defesa da liberdade de imprensa como instrumento de garantia da democracia e da redução das desigualdades. Nesse ponto, ele criticou a prisão do jornalista Julian Assange, que tornou públicos documentos comprometedores do governo dos Estados, incluindo ações militares no Iraque e no Afeganistão.
“Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima. Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos. Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos”, disse Lula.
Esforço pela paz
“Não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz”, afirmou o presidente brasileiro, ao defender uma solução pacífica para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, além de outros conflitos geopolíticos.
“A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações”, ressaltou Lula. “Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras”.
O presidente também criticou as potências mundiais por investirem mais em armas de guerra do que em desenvolvimento. “No ano passado, os gastos militares somaram mais de 2 trilhões de dólares. As despesas com armas nucleares chegaram a 83 bilhões de dólares, valor vinte vezes superior ao orçamento regular da ONU”, afirmou. “Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo”.
Embargo a Cuba
O presidente brasileiro voltou a condenar o embargo econômico e financeiro dos Estados Unidos contra Cuba e a inclusão da ilha na lista de países patrocinadores do terrorismo. Segundo ele, as sanções unilaterais causam grandes prejuízos às populações dos países afetados.
“Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos. O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo”, afirmou.
“Continuaremos críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria. O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre, em particular, da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”, criticou Lula. Segundo ele, a “paralisia” do conselho “é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia”.
Repercussão
A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que o discurso de Lula inaugura uma nova era no Brasil. “Com #LulaNaONU estamos inaugurando uma nova era, de respeito ao povo, preservação do meio ambiente, proteção dos povos originários, inclusão social, desenvolvimento e prosperidade. É o Brasil de volta! “, afirmou, no X, antigo twitter.
“Num discurso contundente e brilhante, presidente Lula faz uma análise do cenário global, critica gastos altíssimos com guerras, defende a paz, pede a taxação dos super-ricos e ataca pontos essenciais que são os desafios da humanidade para os novos tempos, a fome, a profunda desigualdade social e o desenvolvimento sustentável, chamando países à responsabilidade sobre as mudanças climáticas”, acrescentou a deputada.
Segundo ela, “é esse presidente da República que o Brasil precisava e merece, um homem altivo e sensível que coloca o povo e o país como centralidade do seu propósito”.
Gleisi completou: “Só lembrando que em 2021, a gente passou muita vergonha na ONU. O genocida mentiu sobre o meio ambiente e a covid e usou a assembleia como palanque eleitoral. Hoje a gente tá com o coração quentinho, #LulaNaONU foi aplaudido 7 vezes ao longo do seu discurso, não deixou nenhum tema importante de fora e colocou o que deve ser posto na nova ordem mundial. É um grande homem, um cara diferenciado”.
Já o deputado Helder Salomão (PT-ES) afirmou, também no X, que “o Brasil está de volta e o mundo parou para ouvir Lula na ONU”.
Fonte: Da Redação do PT Nacional
Foto: Ricardo Stuckert/PR