Com críticas à governança global, aos países ricos e ao sistema financeiro internacional, o presidente Lula defendeu, nesta quarta-feira (23), que o modelo multilateral do comércio seja reavivado para que volte a ser indutor de relações justas, previsíveis, equitativas e não discriminatórias entre os países. Lula discursou durante a sessão plenária aberta da XV Cúpula do BRICS, em Joanesburgo, na África do Sul.
“Em poucos anos, retrocedemos de uma conjuntura de multipolaridade benigna para uma que retoma a mentalidade obsoleta da Guerra Fria e da competição geopolítica”, afirmou o presidente, durante a sessão com os líderes dos demais países que compõem o BRICS – Rússia, Índia, China e África do Sul. “Essa é uma insensatez que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo. Sabemos bem onde esse caminho pode nos levar. O mundo precisa compreender que os riscos envolvidos são inaceitáveis para a humanidade”.
Como exemplo, o chefe do governo brasileiro citou a guerra na Ucrânia. “Não podemos nos furtar a tratar o principal conflito da atualidade, que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais. O Brasil tem uma posição histórica de defesa da soberania, da integridade territorial e de todos os propósitos e princípios das Nações Unidas. Achamos positivo que um número crescente de países, entre eles os países do BRICS, também esteja engajado em contatos diretos com Moscou e Kiev”, afirmou Lula.
O presidente acrescentou que as dificuldades para o alcance da paz não podem ser subestimadas e, “tampouco, podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia”.
Lula ressaltou que os países do BRICS estão prontos para se juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura. Segundo ele, todos sofrem as consequências da guerra, mas as populações mais vulneráveis, nos países em desenvolvimento, são atingidas desproporcionalmente.
“A guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança. Os BRICS devem atuar como uma força pelo entendimento e pela cooperação. Nossa disposição está expressa nas contribuições da China, da África do Sul e de meu próprio país para os esforços de solução do conflito na Ucrânia”, pontuou o líder brasileiro.
Ele criticou o fato de muitos outros conflitos e crises não estarem recebendo a atenção devida, mesmo causando vasto sofrimento para as suas populações. “Haitianos, iemenitas, sírios, líbios, sudaneses e palestinos todos merecem viver em paz. É inaceitável que os gastos militares globais em um único ano ultrapassem 2 trilhões de dólares, enquanto a FAO nos diz que 735 milhões de pessoas passam fome todos os dias no mundo”, disse. “A busca pela paz é um dever coletivo e um imperativo para o desenvolvimento justo e sustentável”.
Desafios climáticos
O presidente afirmou ainda que “o esfacelamento da governança global também está patente nas agendas do desenvolvimento, do financiamento e do enfrentamento à mudança do clima”. Ele lamentou que a implementação da Agenda 2030 esteja “em risco em todo o mundo”.
“Relatório recente da ONU indica fortes retrocessos. Vemos o maior aumento da desigualdade entre os países em três décadas. Em 30% das metas, estagnamos ou andamos para trás. É muito difícil combater a mudança do clima enquanto tantos países em desenvolvimento ainda lidam com a fome, a pobreza e outras violências”, criticou o presidente brasileiro.
Em um recado às potências econômicas, Lula reafirmou que o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, mantém sua atualidade. “Os grandes responsáveis pelas emissões de carbono que causaram a crise climática foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e alimentaram um extrativismo colonial predatório. Eles têm uma dívida histórica com o planeta Terra e com a humanidade”, afirmou.
Segundo ele, “precisamos valorizar o Acordo de Paris e a Convenção do Clima, em vez de terceirizar as responsabilidades climáticas para o Sul Global”. Lula ressaltou que, nesse contexto, o Brasil tem recuperado seu protagonismo na agenda ambiental.
O presidente citou a Cúpula da Amazônia, realizada nos dias 8 e 9 de agosto, em Belém (PA), um marco, segundo ele, para a necessária construção de um modelo de desenvolvimento sustentável mais justo.
“Nossos recursos não devem ser explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos, sobretudo do bem-estar das populações locais. Mas para que as promessas já feitas pelos países ricos sejam cumpridas, o financiamento climático e de biodiversidade deve ser verdadeiramente novo e adicional em relação ao financiamento ao desenvolvimento”, enfatizou.
Segundo o chefe do governo brasileiro, o sistema financeiro internacional, ao invés de alimentar as desigualdades, deveria ajudar os países de baixa e média renda a implementarem mudanças estruturais. “O endividamento externo restringe o desenvolvimento sustentável. É inadmissível que os países em desenvolvimento sejam penalizados com juros até oito vezes mais altos do que os cobrados dos países ricos. É preciso aumentar a liquidez, ampliar o financiamento concessional e pôr fim às condicionalidades”.
Como havia feito na terça-feira (22), durante o Fórum Empresarial do BRICS, Lula destacou que o grupo de países está plenamente consolidado como marca e ativo político de valor estratégico, com forte potencial para influir na trajetória do desenvolvimento mundial. “A participação de dezenas de chefes de Estado e de Governo na sessão ampliada de amanhã representará um feito histórico. O interesse de vários países em aderir ao agrupamento é reconhecimento de sua relevância crescente”.
Fonte: Da Redação do PT Nacional
Foto: Ricardo Stuckert/ PR