A garantia do acesso à terra, o mapeamento de territórios e o reconhecimento de todos os povos originários que vivem e desenvolvem suas atividades no Brasil são algumas das frentes para se combater a insegurança alimentar dessa população. Essa foi a defesa de representantes dos povos tradicionais, gestores e especialistas que participaram de audiência pública sobre o tema na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado nesta última segunda-feira (2).
Os povos e comunidades tradicionais (PCTs) são entendidos como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais.
Eles possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. As mais conhecidas são as quilombolas e as indígenas, mas no Brasil 26 outros segmentos de PCTs já são reconhecidos pelo Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), como ribeirinhos, ciganos, extrativistas, quebradeiras de coco de babaçu e pescadores artesanais, entre outros.
Na avaliação do senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, investir em segurança alimentar, principalmente nos territórios tradicionais, não é apenas uma questão de justiça: é construir uma sociedade “mais igual e resiliente”, onde ninguém seja privado das suas necessidades mais básicas.
“A segurança alimentar é um direito fundamental, que ultrapassa as questões econômicas e sociais, sendo fundamental à dignidade humana. Garantir que todas as pessoas tenham acesso regular e permanente a alimentos e em quantidade e qualidade suficientes é um passo indispensável para combater a fome, reduzir desigualdades e promover a saúde pública”, disse o senador.
Diretora de Reconhecimento e Proteção dos Povos Tradicionais do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Isabela Cruz disse que a pasta tem trabalhado para oferecer mecanismos que agilizem o reconhecimento desses territórios pelo Estado, através da titulação de terras e da garantia da propriedade coletiva.
Para ela, é fundamental ouvir, através de consulta pública, como esses povos desejam viver e discutir políticas públicas voltadas à agricultura familiar dentro do modo de plantio, colheita e de convivência desses povos. Isso impacta diretamente na segurança alimentar e nutricional dessa população.
“Quem alimenta o país são os pequenos agricultores e agricultoras familiares, os povos das comunidades tradicionais através das suas roças tradicionais, do seu manejo tradicional, da agroecologia da floresta. Precisamos garantir a vida dessas pessoas que têm sofrido imensamente, com grandes impactos, desde grandes empreendimentos [imobiliários] a conflitos no campo. Trabalhamos na linha da proteção do território, mas entendendo que esse território é composto por pessoas, por memórias, por vivências dos que estão e dos que já não estão”, argumentou.
Garantia a terra e direito à vida
Os representantes dos povos originários reforçaram a defesa da regularização de suas terras e territórios. Segundo eles, essa garantia irá assegurar a preservação das suas culturas, da produção de alimentos diversificada e saudável e a preservação do meio ambiente.
Adriana Lima, representante da Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras no Conselho Nacional dos PCTS, denunciou invasões e expulsões dos povos originários de suas terras, ocorrências que impactam consideravelmente as atividades produtivas e a qualidade da alimentação dessas comunidades.
Para ela, interferir na alimentação tradicional é uma forma de violência existencial contra os PCTs. Ela citou como exemplo a derrubada de um rancho de pescadores no litoral de São Paulo, nesta segunda-feira.
“Impedir a comunidade de pescar seu alimento é uma forma de calar a comunidade politicamente, de acabar com a comunidade. No Brasil todo essa é uma problemática que temos. Vão tirando nosso direito à terra e introduzindo um outro tipo de alimento na nossa vida. Passamos a deixar de consumir alimento saudável, diverso, porque quando a gente tem a terra a gente planta em diversidade, isso é o que garante uma alimentação saudável”, relatou.
Os representantes também defenderam o reconhecimento, pela Constituição, de todas as 28 autoafirmações de povos e comunidades tradicionais. Atualmente apenas os indígenas e quilombolas têm esse status. Os demais, por não terem reconhecimento constitucional, não estão no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
Programas
A secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social, Lilian dos Santos Rahal, reconheceu a importância do fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Através do programa, o governo federal compra alimentos provenientes da agricultura familiar para abastecer a rede de assistência social. Para ela, trata-se de uma medida de “valorização, reconhecimento e incentivo” a esse tipo de produção.
Lilian informou que a pasta criou o PAA Indígena e o PAA Quilombola, com o objetivo de desburocratizar o processo de compra e também de agilizar a entrega de alimentos para essas mesmas populações. Com a flexibilização, explicou a secretária, 15,25% dos participantes do programa hoje são indígenas e quilombolas.
Carência de dados
Segundo o ultimo censo, mais de 3 milhões de pessoas se autodeclaram quilombolas ou indígenas no Brasil. Eles representam cerca de 1,5% da população brasileira. A grande maioria está concentrada nos estados do Amazonas, da Bahia e de Roraima. A insegurança alimentar grave entre a população indígena do país se mantém no mesmo patamar desde 2004, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), estudo também feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Cartilha
Durante a reunião também foi apresentada a Cartilha Povos e Comunidades Tradicionais, do Ministério do Desenvolvimento Social. O documento traz informações detalhadas sobre os 28 segmentos de PCT reconhecidos pelo Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e diretrizes do ministério sobre a implementação de ações de segurança alimentar e nutricional nos seus territórios. O documento foi produzido a partir de reuniões de escutas com lideranças dessas comunidades, além de consultas com parceiros governamentais.
Cartilha oferece orientações para gestores públicos atender necessidades de povos e comunidades tradicionais em segurança alimentar
A cartilha também apresenta os principais programas de segurança alimentar do ministério — como o PAA, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Cozinha Solidária — e detalha como esses programas podem ser adaptados. No caso de comunidades indígenas, por exemplo, a cartilha orienta que o PNAE priorize a aquisição de alimentos produzidos localmente, respeitando seus hábitos alimentares e cultura.
Foto: Alessandro Dantas
Fonte: Site do PT no Senado