As apostas online, conhecidas como bets, se tornaram um problema mundial, mas no Brasil, graças às nossas chagas sociais, suas consequências são muito mais danosas. Uma das revistas médicas mais importantes e influentes do mundo, “The Lancet”, vem alertando para o fato de que a jogatina constitui um problema de saúde pública. “Uma ameaça negligenciada, pouco estudada e em expansão. O jogo não é uma simples atividade de lazer; é um comportamento viciante prejudicial à saúde”, escreveu o periódico em recente editorial.
Segundo seus estudos, os danos associados ao jogo são abrangentes, afetando não só a saúde e o bem-estar de um indivíduo, mas também seus bens materiais, relacionamentos, famílias e comunidades, com potenciais consequências para toda a vida e aprofundando as desigualdades sociais e de saúde.
CPI das Bets
Esse mal que tomou conta do Brasil mostrou como está doente nossa sociedade ao exibir um show de horrores no Senado na semana passada. Justamente durante uma sessão da CPI das Bets, uma das maiores divulgadoras das apostas foi tratada como celebridade, com direito a senador mineiro exibir uma cena de bajulação explícita, pedindo vídeo e extrapolando o direito de ser ridículo.
É inacreditável que a tal influenciadora Virgínia declare em seu depoimento ter faturado R$ 750 milhões no ano passado, grande parte em contratos com as empresas de jogos, tirando dinheiro de crianças que fizeram essas apostas acreditando ser possível ganhar para comprar o seu lanche na escola. É lamentável que 55,2% destas crianças e adolescentes se encontram na zona de risco do transtorno de jogo, ou seja, estão viciadas.
Levantamento recente realizado por empresas financeiras mostra que as apostas online já consomem cerca de 20% do orçamento discricionário das famílias de baixa renda, com média mensal de R$ 58 destinados às plataformas digitais. Graças ao dinheiro dos pobres, o setor de jogos movimentou em 2024 uma média de R$ 240 bilhões, montante que deve chegar a R$ 360 bilhões neste ano, segundo dados do Banco Central.
Projeto de regulação
Fui um dos precursores a trazer o tema das Bets para o debate no Congresso, ao apresentar projetos de lei para regular o uso desenfreado da jogatina. Ouvi um clamor de famílias que foram arruinadas por terem membros viciados nos jogos. Ainda no ano passado, protocolei o Projeto de Lei 3670/2024, que visa proibir o uso tanto de cartão de crédito quanto do Bolsa Família para apostas. O Estado tem a obrigação de proteger os mais vulneráveis, inscritos no CadÚnico e beneficiários de programas sociais, proibindo de fazerem apostas de qualquer forma.
A outra iniciativa que já tomei foi por meio do Projeto de Lei 3511/2024, que vai proibir a divulgação das empresas de apostas em todos os meios de comunicação, incluindo vídeos, placas, uniformes, rádio, televisão, peças impressas, redes sociais e internet em geral. Não podemos admitir a manipulação das propagandas incentivando o nosso povo, que tem uma pequena formação no planejamento financeiro, acreditar que o caminho para aumentar a sua renda seja por meio da jogatina.
Continuarei apresentando propostas legislativas para combater a febre das apostas. Estou elaborando um projeto inspirado numa proposta que o deputado português Fernão Botto Machado fez em 1911 no Parlamento do seu país. Preocupado com o vício dos mais pobres com as apostas nas casas lotéricas na época, ele queria exigir que os apostadores tivessem educação e planejamento financeiro.
O objetivo do seu projeto era “em primeiro lugar, a casa lotérica seria obrigada a criar uma conta-poupança no nome do apostador. Em segundo lugar, metade do dinheiro apostado seria guardado e devolvido ao mesmo após cinco anos, acrescido de juros”, como contou o também deputado português Rui Tavares, na sua coluna no jornal Folha de S. Paulo.
Os projetos que apresento visam apenas mitigar os malefícios que as apostas online estão trazendo para o povo brasileiro. Espero assim contribuir para proteger os brasileiros desse mal que está destruindo nossas famílias.
Reginaldo Lopes é deputado federal (PT-MG)
Artigo publicado originalmente no Jornal O Tempo
Foto: Gabriel Paiva