Substância tóxica e altamente prejudicial à saúde, o mercúrio ainda está presente em um lugar de alto risco: a boca de muitos brasileiros. Com o objetivo de garantir a sua erradicação nos tratamentos odontológicos, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo sediou, nesta quinta-feira (23), um debate com especialistas no assunto. O encontro foi proposto pelo deputado Maurici (PT).
O Brasil é signatário da Convenção de Minamata, tratado internacional assinado em 2013 por 128 países, que tem o objetivo de proteger a saúde humana e o meio ambiente das emissões e liberações de mercúrio e compostos desse material. O documento estabelece um conjunto de medidas para atingir esse objetivo, que incluem controlar o fornecimento e o comércio de mercúrio no mundo. A Convenção foi o primeiro tratado multilateral firmado no século 21. O nome dado a ela é uma referência às vítimas que morreram após o consumo de peixes contaminados por mercúrio da Baía de Minamata, no Japão, entre 1932 e 1968.
“A Alesp tem o seu papel institucional; é uma ferramenta importante de disseminação de informação e debate. O objetivo desse seminário é promover a discussão em cima do Projeto de Lei 1475/2023 e chamar a atenção da sociedade, procurando sensibilizar os demais deputados e deputadas para a importância dessa proposta tramitar rapidamente e ser aprovada. Também queremos sensibilizar o Governo do Estado para que o projeto seja sancionado. Temos que trabalhar para que, com ou sem lei, seja alcançada a erradicação do mercúrio em São Paulo”, afirmou Maurici.
Banido
O deputado mencionou o Projeto de Lei 1475/2023, que tramita atualmente no Parlamento Paulista e vem disciplinar a utilização de amálgamas de mercúrio em procedimentos odontológicos no Estado de São Paulo. O objetivo da iniciativa ainda é vedar o uso do amálgama de mercúrio imediatamente em mulheres gestantes, lactantes ou em idade reprodutiva, crianças e adolescentes menores de 14 anos de idade e em pessoas com doenças neurológicas ou renais, devendo ser banido para toda a população em um prazo de três anos.
Consultórios
Na discussão realizada na Alesp, os participantes focaram essencialmente no uso do mercúrio em consultórios odontológicos. Os amálgamas que contêm o material nocivo – usados em obturações dentárias – estão sendo substituídos por outros tipos de resinas que não são contaminantes. Entretanto, as populações mais pobres continuam sujeitas a esse tipo de tratamento antiquado e arriscado.
Martha Faissol Pinto, cirurgiã dentista e membro da Academia Internacional de Medicina Oral e Toxicologia (IAOMT), é uma das lideranças do movimento contra o mercúrio nos consultórios. “Hoje, temos profissionais no mundo inteiro muito preocupados com o tipo de material usado nos procedimentos odontológicos. Qualquer substância tóxica, ou mais perigosa que você tenha na boca, vai se comunicar com o seu sistema imunológico e te agredir. O mercúrio está ligado a todos os processos degenerativos, como a esclerose amiotrófica lateral, esclerose múltipla, Alzheimer e Parkinson. São muitas doenças de cunho neurológico. O mercúrio já foi banido dos termômetros, por exemplo, e porque ele ainda está em nossas bocas?”, questionou a especialista.
Bolso da população
Martha lembrou que, há anos, já existem opções de obturações que têm custos não muito maiores do que os amálgamas de mercúrio e são seguras. Essa demora em banir a substância também afeta o bolso da população. Quem não pode pagar por um tratamento dentário adequado, acaba gastando mais a longo prazo com outros problemas decorrentes do uso do mercúrio. “Um paciente, menos favorecido, da rede pública, não só tem que bancar o custo da obturação, como também terá o custo de pegar uma senha de hospital para o resto da vida com uma doença degenerativa. Então, na conta final, essa obturação representa um gasto muito maior”, explicou a dentista.
Pioneiro
Martha é filha de Olympio Faissol, primeiro profissional da odontologia no mundo a chamar a atenção sobre o assunto. Em 1971, durante uma convenção no México, ele tentou alertar os colegas sobre os riscos do mercúrio nos consultórios. A princípio, o posicionamento foi considerado um exagero, mas estudos posteriores mostraram que, sim, o cenário era preocupante e Faissol tinha razão em suas considerações. “Minha família luta pelo banimento do mercúrio há décadas e, para mim, é muito emocionante estar aqui na Alesp tratando desse tema. São oportunidades como essa que fazem com que o nosso país avance para proteger a saúde do brasileiro”, comentou a dentista.
Crianças e gestantes
Outro participante da mesa foi Jeffer Castelo Branco, coordenador da Aliança Mundial para a Odontologia Livre de Mercúrio no Brasil. Ele ressaltou a urgência em defender as crianças e gestantes desse mal. “Eles são a parcela mais vulnerável da sociedade. Temos que unir esforços para que esse movimento seja vencedor no sentido de proteger a saúde humana, principalmente das crianças, que são o futuro do nosso país. Não queremos que elas tenham problemas de saúde no futuro, na vida adulta, sem nem ao menos saberem a origem disso”, afirmou Castelo Branco.
Fonte: Fábio Gallacci – Alesp
Foto: Rodrigo Costa – Alesp