O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou nesta sexta-feira, 24 de novembro, a lei que institui pensão para os filhos de pessoas acometidas por hanseníase que foram colocadas em isolamento, domiciliar ou em seringais, ou internadas em hospitais-colônia compulsoriamente, o que causava a separação das famílias. O benefício é mensal, vitalício e intransferível, em valor não inferior a um salário mínimo (R$ 1.320) e sem efeito retroativo.
“O Estado errou ao manter segregados pais e filhos, mesmo depois de a cura para a hanseníase ter sido descoberta na década de 1940. Mesmo depois da recomendação mundial para o fim do isolamento nos anos 1950. Errou por manter, na prática, a política de segregação até o ano de 1986. É preciso pedir desculpas. E é preciso, principalmente, construir políticas públicas para reparar os danos sociais que a segregação causou”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República
“Nenhum dinheiro do mundo é capaz de compensar ou apagar as marcas que a segregação provocou na alma e no coração das pessoas portadoras de hanseníase e suas famílias. Mas estender aos filhos o direito à pensão especial é dar mais um passo importante para reparação de uma dívida enorme que o Brasil tem com aqueles que, durante anos, foram privados dos cuidados e carinho dos pais”, afirmou o presidente Lula ao sancionar a lei no Palácio do Planalto.
O PL nº 3.023/2022 altera a Lei nº 11.520/2007 — criada a partir de Medida Provisória do segundo mandato do presidente Lula —, que concedeu pensão às pessoas com hanseníase isoladas ou internadas compulsoriamente até 1986, para incluir os seus filhos. Outra novidade é que agora fica estipulado valor não inferior a um salário mínimo nas pensões de pessoas que ficaram isoladas.
A nova legislação é uma reparação histórica da decisão do Estado brasileiro, que vigorou desde a década de 1920 e determinava isolamento e internação compulsória de pessoas com a doença. Embora tenha sido abolida em 1962, a prática, que causava a separação de famílias, persistiu até 1986, quando foi definitivamente encerrada.
“O Estado errou ao manter segregados pais e filhos, mesmo depois de a cura para a hanseníase ter sido descoberta na década de 1940. Mesmo depois da recomendação mundial para o fim do isolamento nos anos 1950. Errou por manter, na prática, a política de segregação até o ano de 1986. É preciso pedir desculpas. E é preciso, principalmente, construir políticas públicas para reparar os danos sociais que a segregação causou”, disse Lula.
O presidente contou que visitou colônias e ex-colônias, antes, durante e depois de deixar a presidência em 2010. “Nesses encontros, fiz amigos e conheci de perto a complexidade da hanseníase e a realidade de homens e mulheres que contraíram a doença”, ressaltou. Lula também se comprometeu a reconstruir uma política para que seja possível acabar definitivamente com a hanseníase no país.
“Hoje é um dia de consagração dos nossos 11 meses de governo. Nesta semana, nós fizemos aqui muitas coisas de interesse do povo brasileiro: a questão da educação das crianças com deficiência, do Viver sem Limite (Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência), de cuidar das pessoas que mais precisam do Estado. E não poderia ser mais feliz de, na sexta-feira, fazer a reparação histórica de erros cometidos pelo Estado brasileiro”, celebrou o presidente.
VÍTIMAS — Na cerimônia, a senhora Maria de Fátima de Lima e Silva, vítima de isolamento compulsório, contou, ao lado do presidente Lula, um pouco da sua história. Mãe de oito filhos, ela afirmou que foi doloroso ter que abrir mão de criá-los devido à política da época. Até hoje, ela não sabe onde estão quatro deles. Uma de suas filhas, que a acompanhou no evento, disse que passou por muitas famílias, nas quais era humilhada e vivia de forma servil, sem carinho.
O coordenador do Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (Morhan), Francisco Faustino Pinto, também narrou como a política de segregação impactou a sua vida. “Tínhamos que obrigatoriamente ser separados de nossos pais e enviados para educandários, creches, ou até mesmo para familiares que nem sempre nos acolhiam devidamente. Alguns filhos foram enviados para adoção legal e alguns foram dados como mortos. Passamos por maus-tratos, aliciação e abuso sexual, além de castigos severos e humilhações”. Após anos de busca por reparação, ele comemorou a sanção da lei.
“O presidente Lula criou um Comitê Interministerial para eliminação da tuberculose, hanseníase e outras doenças determinadas socialmente. Temos nove ministérios trabalhando em conjunto para essa meta”
Nísia Trindade, ministra da Saúde
SAÚDE — A ministra da Saúde, Nísia Trindade, citou as ações que o Governo Federal está tomando para melhorar o atendimento às pessoas com hanseníase. “O presidente Lula criou um Comitê Interministerial para eliminação da tuberculose, hanseníase e outras doenças determinadas socialmente. Temos nove ministérios trabalhando em conjunto para essa meta”, afirmou.
Neste ano, o SUS disponibilizará teste rápido para avaliação dos contatos dos pacientes. “Também estamos trabalhando para o financiamento no desenvolvimento de medicamentos para o início imediato do tratamento, que hoje já é oferecido pelo SUS, mas que nós queremos avançar, aperfeiçoar e melhorar”, disse a ministra.
O desenvolvimento de inovações para as chamadas doenças negligenciadas é um dos eixos centrais da estratégia para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde lançado em setembro pelo Governo Federal.
“Mas eu afirmo aqui que não se tratam de doenças negligenciadas, se tratam de pessoas e grupos da sociedade discriminados por várias condições sociais e pelo preconceito. É isso que esse ato hoje repara e é nisso que a nossa política pública tem que avançar. São doenças que marcam a grande desigualdade social no nosso país. A partir de 2024, avançaremos com novos testes laboratoriais de biologia molecular para aperfeiçoar esse diagnóstico”, ressaltou a ministra.
ENTENDA — A hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, de evolução crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae. Atinge principalmente a pele, as mucosas e os nervos periféricos (braços e pernas), com capacidade de ocasionar lesões neurais, podendo acarretar danos irreversíveis, inclusive exclusão social, caso o diagnóstico seja tardio ou o tratamento inadequado.
A transmissão ocorre quando uma pessoa com hanseníase, na forma infectante da doença, sem tratamento, elimina o bacilo para o meio exterior, infectando outras pessoas suscetíveis, ou seja, com maior probabilidade de adoecer. A forma de eliminação do bacilo pelo doente são as vias aéreas superiores (por meio do espirro, tosse ou fala), e não pelos objetos utilizados pelo paciente. Também é necessário um contato próximo e prolongado.
Os doentes com poucos bacilos não são considerados importantes fontes de transmissão da doença, devido à baixa carga bacilar. Não se transmite a hanseníase pelo abraço, compartilhamentos de pratos, talheres, roupas de cama e outros objetos.
O tratamento medicamentoso da hanseníase, feito com a regularidade recomendada de uso do esquema PQT-U, leva à cura da doença. Já no início do tratamento, pela ação dos medicamentos, o paciente deixa de transmitir a doença.
RESSIGNIFICAÇÃO — O Brasil ocupa a segunda posição do mundo entre os países que registram casos novos. Em razão de sua elevada carga, a doença permanece como um importante problema de saúde pública no país, sendo de notificação compulsória e investigação obrigatória. A partir da década de 1980, o Brasil dispõe de iniciativas institucionais que modificam a estratégia de cuidado às pessoas acometidas pela hanseníase, com o fechamento dos hospitais-colônia que pressupunham a internação compulsória.
Em 1995, como iniciativa inovadora para ressignificação social da doença, o Brasil determina, por meio da Lei nº 9.010, que o termo “lepra” e seus derivados não podem mais ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos estados. Esses passos foram importantes para ampliar a compreensão da história da hanseníase enquanto uma trajetória que não é do bacilo, mas de pessoas e famílias acometidas pela doença.
Fonte: Planalto – Agência Gov de Notícias
Foto: Ricardo Stuckert/ PR