Em 29 de setembro de 1871, a Princesa Isabel assinou a Lei do Ventre Livre, garantindo que a partir de então, não nasceria mais nenhum homem ou mulher escravizada no Brasil. A Princesa era dona de escravos, não tinha qualquer envolvimento na luta abolicionista e sequer participou dos debates que levaram ao texto da lei, mas assinou o documento porque seu pai, Dom Pedro II, estava em viagem pela Europa. O mesmo aconteceu 17 anos depois, em nova viagem do imperador, quando mais uma vez a princesa assinaria uma Lei, desta vez abolindo formalmente a escravidão.
No entanto, nem a Lei do Ventre Livre e nem a Lei Áurea criavam quaisquer mecanismos de inserção dos ex-escravos na sociedade, mas ao contrário, abandonava estes indivíduos à própria sorte. Soma-se a este abandono, uma outra lei, assinada por Dom Pedro 30 anos antes, que proibia homens e mulheres negros de adquirirem propriedades rurais no Brasil. A Lei de Terras de 1850 iria além: ao invés de pequenas propriedades, o documento dividia o País em grandes latifúndios, beneficiando as oligarquias da época.
Apesar da manutenção de privilégios, que a burguesia confunde até hoje com “direitos”, estas oligarquias e a Igreja ficaram extremamente descontentes com a coroa pela guerra do Paraguai (1864-1870), que só intensificou as tensões com a monarquia. A abolição da escravidão parece ter sido a gota d’água para famílias abastadas que estavam acostumadas a ter tudo do jeito que sempre quiseram. Foi nesse cenário que, um ano após a promulgação da Lei Áurea, estas elites articularam um golpe de Estado, comandado pelo chefe do exército à época, Marechal Deodoro da Fonseca, que se tornaria o primeiro presidente do Brasil.
A história nos conta portanto, que: 1- só houve uma abolição, e apenas formal da escravidão, porque isso favorecia ao insurgente mercado capitalista e 2 – negros não foram libertos, mas escorraçados. Algo semelhante pode-se dizer da proclamação da República, que só ocorreu quando o império já não atendia as exigências das elites econômicas. Agora, 134 anos depois, cabe a nós, construir a verdadeira libertação de homens e mulheres negras, bem como edificar a República, que até hoje vem sendo apropriada pelas mesmas elites econômicas dos séculos XVIII e XIX.
Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP)
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados