Ex-ministro defende que a frente unitária para derrotar Jair Bolsonaro deve ter como princípios reconhecer o calendário eleitoral, o pleno direito dos candidatos inscritos e a garantia de posse do candidato eleito
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu afirma, em sua coluna no Poder 360, que Jair Bolsonaro recuou dos ataques que fez contra a democracia nas manifestações golpistas do dia 7 de setembro “porque deu-se conta de que não tinha condições de combater em duas frentes: contra as oposições de esquerda e progressistas e contra a centro-direita liberal, sócia de seu governo naquilo que conta, ou seja, as reformas neoliberais”.
Segundo o ex-ministro, é preciso defender a democracia e que “para derrotar Bolsonaro, a frente unitária que defendemos tem que ter como princípios reconhecer o calendário eleitoral, o pleno direito dos candidatos inscritos e a garantia de posse do candidato eleito”.
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Partimos do fato de que Bolsonaro não desistiu, não fez nenhum acordo. Ele só recuou. Até porque se ele hoje já não atende mais a todos os interesses da elite por ser incontrolável nos seus arroubos autoritários, no seu messianismo, no destempero verbal, na sua evidente falta de educação, ele mantém a pauta econômica que concentra a renda e faz sorrir a banca.
Bolsonaro foi derrotado, recuou, chamou Temer e propôs uma espécie de armistício, mas não sua rendição. Era o único caminho que lhe restava. Seu objetivo continua a ser se manter no governo e ser reeleito, mesmo que isso pareça no mínimo improvável –se não impossível. Isolado, perde popularidade e competitividade. De outro, a Justiça, no caso o STF, continua a impedir que cumpra suas ameaças de implantar no Brasil uma ditadura militar.
Recuou porque deu-se conta de que não tinha condições de combater em duas frentes: contra as oposições de esquerda e progressistas e contra a centro-direita liberal, sócia de seu governo naquilo que conta, ou seja, as reformas neoliberais, os interesses do mercado, daqueles que detêm o poder econômico no país.
Tentou, sim, organizar um golpe em 7 de setembro por mais irreal que isso pareça e seu ponto de apoio fundamental eram os militares. Com eles a seu lado, viria o centrão. Subestimou a oposição da direita liberal, o próprio empresariado e os partidos que, após apoiá-lo em 2018 e votar a favor de toda a sua agenda econômica, passaram, nos últimos dias, a defender seu impeachment.
Não há condições políticas e sociais para um golpe militar, embora os comandantes das Forças Armadas, em declarações públicas, reforcem o ideário conservador dos tempos da Guerra Fria defendido por Bolsonaro, embalado num corporativismo de que todos se beneficiam –menos a sociedade brasileira. A sucessão de Bolsonaro continuará sendo um fator determinante da conjuntura nacional até porque o centro de toda estratégia do próprio presidente é sua reeleição e a busca de um regime autoritário.
Não há como abstrair esse fator. A questão é como combinar essa realidade com a necessária defesa tanto da democracia, como, principalmente, do calendário eleitoral e da posse do eleito. Há que se ater aos fatos. As manifestações em defesa da democracia, promovidas pelas forças de oposição de esquerda e popular, eram comandadas pela palavra de ordem fora Bolsonaro e, secundariamente, contra a direita liberal, até recentemente sócia de Bolsonaro. Parte da mídia, de uns meses para cá, também se posicionou contra o presidente, muito especialmente pela sua gestão mais do que irresponsável –assassina– à frente da pandemia. Só muito recentemente partidos da direita liberal e setores do empresariado, frente ao avanço do discurso fascista de Bolsonaro que prenunciava a preparação real do golpe, decidiram passar a defender seu impeachment.
Outro fato que também não pode ser escamoteado é que quando as forças da oposição de direita –e bota direita quando se trata do MBL– convocaram suas manifestações com o mantra de “Frente Ampla” o fizeram abertamente contra Lula e o PT, inviabilizando na prática qualquer aliança com o PT e outras forças políticas e populares que compõem a Frente Fora Bolsonaro.
O fracasso retumbante da manifestação de 12 de setembro exige dos que a apoiam no campo das oposições partidárias e sindicais, mas participam da Frente Fora Bolsonaro, uma reavaliação e uma retomada da mobilização para o 2 de outubro.
Se queremos uma mobilização unitária contra Bolsonaro, temos que focar no que interessa. Deter sua sanha golpista e garantir a democracia que, no caso, é garantir o calendário eleitoral e a posse do eleito. Fora Bolsonaro unifica a todos, mas cada força política tem o direito de explicitar e defender seu programa de governo, como, aliás, já acontece com todos os partidos e prováveis candidatos. Tudo o mais é hipocrisia, ou tentativa de evitar o debate democrático.
O fato que leva que amplos setores da direita liberal a se opor a Bolsonaro é que ele está inviabilizando a agenda democrática e quer regredir o país a uma ditadura reacionária, conservadora e fundamentalista. É simples entender por que esses setores da direita liberal, ao entender que não podem mais conciliar com Bolsonaro que ajudaram a eleger, não querem Lula no mesmo palanque nem vê-lo ser eleito presidente. Porque eles defendem o mesmo modelo econômico de Bolsonaro, de concentração de renda, sem direitos trabalhistas, tudo para os ricos, nada para dos pobres. Modelo sem educação pública e universal, sem saúde de qualidade para todos, sem políticas públicas construídas a partir da cidadania.
Nós defendemos um modelo econômico que se contraponha ao neoliberalismo primário já condenado até por organismos internacionais como FMI e Unctad, queremos uma distribuição da renda e riqueza com uma tributação progressiva e a taxação dos lucros e dividendos das grandes fortunas, investimentos em saúde, educação, ciência e tecnologia, infraestrutura, combate à desigualdade e geração de emprego e renda.
Para derrotar Bolsonaro, a frente unitária que defendemos tem que ter como princípios reconhecer o calendário eleitoral, o pleno direito dos candidatos inscritos e a garantia de posse do candidato eleito.