Por Denis Carvalho
Durante a escrita da obra “A República”, o filósofo grego Platão elabora uma alegoria para apresentar ao leitor sua teoria sobre o conhecimento da verdade e da necessidade de que o governante tenha acesso a esse conhecimento.
O “mito da caverna” (que não é uma espécie de “Bolsonaro pré-histórico”) traça uma analogia que busca exemplificar como os seres humanos podem libertar-se da condição da escuridão, que os torna prisioneiros, através da luz da verdade.
O que complica os dias atuais é que vivemos na era da pós-verdade. Anteriormente, a sabedoria popular nos dizia que “contra fatos não há argumentos”, mas isso deixou de ser verdade já faz algum tempo. Ou ainda é também, é relativo agora.
As contradições da luta nos colocou diante de mais um obstáculo. Na batalha pela democratização do acesso à informação e também da produção de conteúdo para contrapor as narrativas apresentas apenas através dos interesses do capital, não estabeleceu-se os papéis de cada indivíduo na estrutura comunicacional. O interlocutor, aquele que emite a mensagem, pelo menos em tese, provavelmente deveria ser alguém com conhecimento técnico suficiente para apresentar sua perspectiva dos fatos, não como verdade absoluta, mas como informações relevantes a serem consideradas no debate. Mas, infelizmente, não é isso que vem acontecendo.
Com a disseminação desregulamentada das redes sociais, criou-se uma propagação enorme de interlocutores que emitem suas opiniões, que são recebidas por grande parte da audiência no mesmo nível de relevância que um especialista no assunto e com um potencial de alcance gigantesco. Afinal, quem busca informações sobre o conserto do seu carro com o açougueiro? Ou informações sobre um processo jurídico com um terapeuta? Não faz sentido, certo?
Porém, esta audiência, quando percebe alguma informação que pode diminuir sua angústia, medos e ansiedades, não perde tempo em replicar essa informação para endossar pra si mesma essa sua verdade, mesmo que não seja real, mesmo que ponha em risco a sua vida e de outros, afinal, cada um tem a sua verdade e, que em vários casos, uma verdade não anula a outra, só que em várias outras convenções sociais, sim.
Hoje temos conhecimento e sabemos que a grama é verde e o céu é azul. Fizemos uma convenção social de chamar aquela cor que entendemos por verde de verde, o azul de azul e, quando falamos da tonalidade da pigmentação de alguma coisa, de cor. Dizer que a grama é laranja ou o céu é amarelo, contradizendo essas convenções sociais (a não ser em situações excepcionais) é possível, afinal, as palavras saem da boca assim como posso escrevê-las, porém, essas afirmações são erradas, não correspondem aos fatos.
Na batalha da comunicação, com o conhecimento cada vez mais minucioso de quem são as pessoas suscetíveis a acreditar que as sombras na caverna de Platão são a realidade, muitos utilizam dessa informação para manipular e criar um universo suficiente para endossar suas narrativas e seus desejos. Já faz um tempo que criou-se uma mácula na cor vermelha, nas palavras “comunista”, “socialista” e outros símbolos na mesma linha. Para quem defende os ideais capitalistas os quais os “vermelhos” são contra, apostar na ignorância dos seus súditos em não compreender nem o que significa ser comunista é uma vitória quase que certa, pelo menos para uma parcela considerável, visto quão grandes foram os investimentos para construir essa narrativa ao longo da história. Seu público nem questiona, nem quer saber o que é comunismo, não se importa, apenas é. “Dividir para conquistar”. Tudo graças às ilusões proporcionadas na caverna do capitalismo.
Como fazer uma pessoa que foi induzida e (aí sim) doutrinada a servir ao sistema capitalista, desconstruir toda sua realidade construída há anos, décadas? A aceitar que tudo era uma mentira? Não, não é fácil. Não são todos que conseguem lidar com a verdade.
O que é fácil é rotular. Pensando de forma mais simples, quem foi preso, tá errado, é culpado. Assim como Lula. Afinal, nossa cultura é induzida a pensar assim diariamente. Não somos incentivados a raciocinar, analisar as variáveis de cada equação, a aguardar o final de um julgamento para saber se o réu é culpado ou não.
E nessa cultura de rotulação e de palavras fáceis que caem na boca do povo, como “mensalão”, “vagabundo” e “baderna”, até a Rede Globo e o governador de São Paulo João Doria são comunistas, como apresentado na montagem feita que circula pelas redes sociais. No fim das contas, não saber o que é comunismo pode ser ignorância ou sintoma da falta de acesso à educação, mas chamar Globo e Doria de comunistas já é ofensa… aos comunistas, é claro!
Então, estude, busque a verdade, pois só ela liberta e, em tempos de coronavírus, salva vidas. Mas lembre-se sempre de que ninguém é obrigado a emitir opinião sobre tudo o tempo todo. Saiba qual é o seu papel em cada situação, como interlocutor ou ouvinte, inclusive sabendo selecionar com inteligência suas fontes de informação.