“Se bilionários pagassem 2% da riqueza em impostos, poderíamos arrecadar US$ 250 bilhões por ano, cinco vezes mais do que bancos multilaterais dedicaram a esse enfrentamento em 2022”, afirmou Haddad.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou a taxação de impostos sobre os super-ricos como meio arrecadar recursos para o combate à fome e a pobreza no mundo. Ao discursar na Reunião Ministerial da Força Tarefa para o Estabelecimento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, o ministro observou que, ao redor do mundo, os super-ricos empregam subterfúgios para driblar os sistemas tributários em vez de pagar sua justa contribuição na forma de impostos sobre suas fortunas.
“Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos”, observou Haddad, que citou estudo feito pelo economista Gabriel Zucman, a pedido da Fazenda. “Se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano. Ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022.”
Haddad assinalou ainda a necessidade de novos investimentos na forma de crédito subsidiado por bancos de desenvolvimento. Entre as modalidades possíveis, apontou para os mecanismos chamados de Direitos Especiais de Saque (DES). Os DES são reservas formadas pelo FMI – compostas pelas cinco principais moedas do mercado global – para socorrer países membros que necessitem recompor suas reservas para saldar compromissos financeiros.
Segundo Haddad a criação da Aliança Global dá impulso decisivo ao debate do direcionamento dos Direitos Especiais de Saque ao enfrentamento da fome da pobreza. “Precisamos buscar inovações em instrumentos de financiamento para o desenvolvimento, parcerias público-privadas, além de apoiar a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento”, defende.
“A iniciativa pioneira do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Africano de Desenvolvimento para operacionalizar essa canalização também oferece um caminho promissor para a Aliança Global que gostaríamos de explorar.”
Íntegra do discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad no G20
Quero começar a minha intervenção dizendo que o objetivo de erradicar a fome e a pobreza jamais deveria ser um sonho distante. A fome e a pobreza não são fatalidades, ou um produto de condições imutáveis. Essa é a premissa da Aliança Global. A comunidade internacional tem todas as condições para garantir a cada ser humano nesse planeta uma existência digna. O que falta é vontade política.
O trabalho realizado pela Força Tarefa Conjunta para o estabelecimento da Aliança Global ao longo dos últimos meses confirmou esse pressuposto. Mesmo sem chegar a números comuns – porque as metodologias variam – ficou claro que é preciso investir mais.
Por exemplo, segundo relatório comissionado pela Força Tarefa, os dez maiores provedores multilaterais de financiamento oficial ao desenvolvimento desembolsaram cerca de 46 bilhões de dólares em 2022 para as duas agendas. Isso representa 24,5% de todos os compromissos dos bancos multilaterais de desenvolvimento naquele ano. Se olharmos para os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), menos de 10% da ajuda oficial ao desenvolvimento se destina a combater a fome e a pobreza.
Então é imperativo nos mobilizarmos para aumentar os recursos disponíveis internacionalmente direcionados a enfrentar esses dois problemas. Precisamos buscar inovações em instrumentos de financiamento para o desenvolvimento, parcerias público-privadas, além de apoiar a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Em particular, a criação da Aliança dá um impulso decisivo ao debate sobre a canalização dos Direitos Especiais de Saque, medida indispensável para aumentar a capacidade de concessão de crédito. A iniciativa pioneira do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Africano de Desenvolvimento para operacionalizar essa canalização também oferece um caminho promissor para a Aliança Global que gostaríamos de explorar.
Outra forma de mobilizar recursos para o combate à fome e à pobreza é fazer com que os super-ricos paguem sua justa contribuição em impostos. Ao redor do mundo, os super-ricos usam uma série de artifícios para evadir os sistemas tributários. Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos.
A nosso pedido, o economista Gabriel Zucman preparou um estudo mostrando que, se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de 200 a 250 bilhões de dólares por ano, ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022.
Além do problema de recursos insuficientes, também é preciso melhorar a eficiência no uso desses recursos. A dispersão dos projetos de cooperação internacional não apenas reduz o alcance da cooperação, como também eleva os custos de transação para as organizações internacionais, agências de desenvolvimento e países beneficiários.
Na ausência de uma abordagem global, vemos uma multiplicação de projetos em nível de cidades ou comunidades. A fome e a pobreza não são problemas que podem ser enfrentados apenas com políticas de pequena escala.
Senhoras e Senhores,
A trajetória pessoal do Presidente Lula mostra que dá para ir muito longe quando se tem vontade política. A Aliança atuará como um agente catalisador dessa vontade. Ela buscará mobilizar recursos e agregar a cooperação fragmentada em favor de programas e políticas públicas de escala nacional, aglutinando financiadores.
O trabalho da Aliança se concentrará em conectar os fundos já existentes, elevando a sinergia entre eles com vista a uma atuação mais coordenada e efetiva. A Aliança quer, portanto, atuar de forma muito próxima ao Fundo de Desenvolvimento Africano, ao Fundo de Desenvolvimento Asiático e à Associação Internacional para o Desenvolvimento do Grupo Banco Mundial, além de agências de desenvolvimento e de outros financiadores multilaterais.
Quero destacar aqui a importância da vigésima-primeira recomposição de capital da Associação Internacional para o Desenvolvimento, do Banco Mundial, a principal organização de financiamento e transferência de recursos aos países mais pobres do mundo, o que motiva o interesse do Brasil em retornar sua participação na Associação.
De nossa parte, anunciamos que o governo brasileiro já se comprometeu a aportar recursos para a décima-terceira recomposição de capital do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, outro parceiro relevante para o sucesso da Aliança. A atuação conjunta entre esses agentes de financiamento é crucial para ganharmos a escala que precisamos.
Presidente Lula,
Desde os trabalhos de Josué de Castro, autor de obra monumental sobre o caráter global da fome, o Estado brasileiro acumulou grande conhecimento técnico sobre as relações entre a pobreza e a fome. E o que a nossa experiência concreta demonstra é que incluir o pobre no orçamento é um ótimo investimento em termos econômicos e sociais.
Em 2023 tivemos um dos maiores crescimentos inclusivos da renda da nossa história. A renda dos 5% mais pobres do país cresceu 38,5% em 2023, um aumento recorde. Hoje estamos ouvindo também sobre os rápidos avanços do país no combate à fome, trazidos pelo relatório das Nações Unidas, lançado hoje.
Encerro, portanto, convidando a comunidade financeira internacional a se juntar à Aliança, para efetivamente construirmos um mundo justo e um planeta sustentável, onde a fome e a pobreza sejam apenas referências ao passado superado.
Antes de concluir minha intervenção, peço a licença de vocês para conceder um aparte ao presidente do Grupo Banco Mundial, Ajay Banga, que terá alguns anúncios a fazer relacionados à participação do Banco no pilar financeiro da Aliança Global.
Muito obrigado!
(Por Paulo Donizetti de Souza da Agência Gov)
(Foto de Tomaz Silva – Agência Brasil)