O deputado Paulo Fiorilo (PT), líder da Federação Brasil da Esperança (PT/PCdoB/PV), na Assembleia Legislativa de São Paulo, encaminhou nesta segunda-feira, 20/3, representação ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo pedindo que sejam apurados os indícios de fraude no processo de concessão do trecho norte do Rodoanel, objeto do leilão realizado no último dia 14 de março, que teve como vencedor o Fundo de Investimento Via Appia.
A representação aponta ter havido direcionamento para permitir a participação de fundos de investimento e preferência pela vitória do Fundo Via Appia, pairando dúvidas sobre a lisura do certame concluído pelo governo Tarcísio de Freitas com incomum estridência. Depois de afirmar que é preciso “bater o martelo com energia”, o governador desferiu sete marteladas desmontando o símbolo da B3, a bolsa de valores de São Paulo.
O documento ressalta alguns dos indícios de fraude impressos na cronologia da licitação. O primeiro é que o edital foi republicado, em 26/11/2022, para permitir que a participação dos fundos de investimento ocorresse com exigências simplificadas. O Via Appia foi constituído em 28 de fevereiro de 2023, ou seja, três meses após a publicação do edital e 14 dias antes da data do leilão. Por fim, o Via Appia integralizou as cotas na véspera do leilão.
O documento apresentado pelo deputado Paulo Fiorilo pede ao Tribunal de Contas a suspensão da contratação do Fundo de Investimento Via Appia até que se analise os “gravíssimos questionamentos” que pairam sobre o contrato, com valor de R$ 3,35 bilhões (US$ 640 milhões), envolvendo a conclusão da construção de um trecho de 44 quilômetros e a operação e manutenção do anel viário, por 31 anos.
Para vencer o leilão, o Via Appia ofereceu o maior desconto para os recursos de contrapartida a serem pagos pelas autoridades estaduais na PPP. Assim, conseguiu derrotar os três concorrentes: Consórcio SP Flow, Consórcio Infraestrutura SP e Acciona Conseciones.
O governo já se comprometeu a compensar as despesas do consórcio vencedor enquanto a tarifa do pedágio for insuficiente para cobrir as operações. Entretanto, os cálculos da tarifa não foram apresentados.
Horas após a realização do leilão do Rodoanel Norte, o banco BTG Pactual apresentou relatório com a previsão de lucro da ordem de R$ 200 milhões por ano, antes de juros, impostos, depreciação e amortização.
CAPACIDADE FINANCEIRA
O Via Appia foi constituído às vésperas do leilão, com um capital de pouco menos de R$ 129 milhões. No entanto, o consórcio terá de pagar a contraprestação pecuniária de mais de R$ 51 milhões, equivalente a 40% do seu capital, e fazer investimentos que ultrapassarão a casa dos R$ 3,4 bilhões, dos quais R$ 2 bilhões deverão ser desembolsados nos próximos três anos para a conclusão das obras.
O líder Paulo Fiorilo apresenta questionamentos sobre a capacidade do fundo de investimento de honrar com suas obrigações e cumprir as regras de transferência da concessão ao longo da execução contratual, observando que é necessário que o Estado tome precauções contra operações societárias fraudulentas e contrárias aos princípios e regras constitucionais que regem as licitações públicas.
“Entende-se que há uma série de possíveis riscos à segurança jurídica, a estabilidade do contrato e falta de transparência, de garantias ao poder público e principalmente ao interesse público em razão do histórico das obras do Rodoanel, que produziram denúncias e paralisações prejudiciais tanto no aspecto do uso do dinheiro público como na mobilidade das cidades, que justifica pedido para que o Egrégio Tribunal possa fiscalizar com afinco a licitação e execução do contrato decorrente”, adverte a representação ao TCE-SP.
EXPERIÊNCIA ZERO
Fiorilo destaca que o fundo de investimentos não apresenta qualquer experiência em construção de infraestrutura rodoviária e em operação de rodovias. O propósito específico é assegurar lucros aos seus controladores, sócios, acionistas e parceiros.
O Fundo de Investimento Via Appia pertence à Starboard Asset, empresa especializada em recuperação de ativos e recuperação financeira. Seria, portanto, uma empresa de fachada para que outro grupo assuma o Trecho Norte: o Grupo Bertin, controlador da SPMar, concessionária dos Trechos Leste e Sul do Rodoanel, que está em recuperação judicial e, portanto, não pode participar do leilão do Trecho Norte.
Por meio da Starboard Asset, garantiria-se que as obras do Trecho Norte do Rodoanel venham a ser assumidos pela SPmar. Com a regularização da situação do grupo Bertin, a SPmar poderia assumir o Trecho Norte, concentrando os trechos Sul, Leste, o Norte, ainda que indiretamente ou ocultamente, ou mesmo vir a assumir o controle da SPMar atualmente controlada pelo Grupo Bertin.
RISCO DE FRAUDES
A Starboard foi criada em 2017 por executivos que trabalhavam com reestruturação de empresas na Brasil Plural. Em 2018, o fundo assumiu o controle da Máquina de Vendas, dona da Ricardo Eletro, uma das maiores varejistas de eletrodomésticos do país à época. Além disso, a Starboard Partners, do mesmo grupo da Starboard Asset, tem entre as empresas por ela controladas a empresa Gemini Energia, que, em 2020, deixou os moradores do Amapá em completa escuridão, em virtude de um blecaute no Amapá, ocasionado por um incêndio em uma subestação da concessionária Linhas do Macapá Transmissora de Energia (LMTE), da Gemini Energia.
Há, portanto, fortes evidências de que a operação para vencer o leilão do Trecho Norte do Rodoanel pode abrir possibilidades de fraude à licitação. O Fundo Appia aparenta ser uma travessia para a entrada dos que foram impedidos de participar do leilão por falta de idoneidade.
A representação chama a atenção para o fato de o Trecho Norte do Rodoanel já ter custado mais de R$ 6,3 bilhões, valor 50% acima do previsto inicialmente, segundo informações do TCE (Tribunal de Contas do Estado). A previsão de conclusão das obras do Trecho Norte foi fixada para julho de 2026, conforme declaração do governador do Estado, Tarcísio de Freitas.
Fonte e foto: PT Alesp com informações de Fernando Caldas