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Ana Perugini: Dia da Esperança Internacional das Mulheres: indignação e coragem

Dizia Santo Agostinho que a esperança tem duas filhas prediletas: a indignação e a coragem. A indignação, para contestar o que não está bem. A coragem, para mudar a situação.

Falemos da primeira filha. Recordo a poesia de Conceição Evaristo:

“A noite não adormece

nos olhos das mulheres

a lua fêmea, semelhante nossa,

em vigília atenta vigia

a nossa memória.”

Causa indignação constatar que, desde a instituição do Dia Internacional das Mulheres, em 1975, um tema tem sido recorrente: a desigualdade, ou seja, a não paridade de direitos e deveres entre homens e mulheres. Temos memória disso.

Se hoje há desigualdade, ela foi construída no passado através do sistema educacional, dentro de casa, através das instituições, Igreja… e na rua. Houve uma escolha política. A desigualdade foi absorvida, tornada comum e naturalizada. A sociedade não repudia a desigualdade com a mesma força que repudiou a corrupção anos atrás. Neste universo de desigualdade, não há espaço para a democracia.

A palavra igualdade nunca fez parte dos discursos nobres das Repúblicas no Brasil, pois o sistema de privilégio está sustentado na opressão do homem branco, no capitalismo e no machismo.

O projeto de desigualdade organiza a divisão do trabalho e atividades, estabelece uma hierarquia. Existem atividades menos e mais valorizadas e, dentro destas, uma hierarquia de remuneração conforme o gênero e raça.

As mulheres ganham menos mesmo realizando as mesmas atividades e funções e menos ainda conforme a discriminação racial, é o que consta o “Relatório Global da Desigualdade de Gênero” do Fórum Econômico Internacional em anos seguidos. Há uma gritante desigualdade social e econômica entre os homens e as mulheres.

Há desigualdade na segurança. Imaginemos uma mulher vinda do trabalho, voltando para sua casa à noite… no espaço público das ruas e praças. Temos memória. A violência das palavras proferidas por um candidato e, posteriormente, presidente em 2019, reverberou em todas as casas, esquinas e praças. Bastava um complemento, o projeto de armamento da população e o resultado era previsível: o número de feminicídio aumentou assustadoramente, assim como o de estupro de mulheres e vulneráveis. O “pintou um clima” tem o custo de uma mulher morta a cada sete horas e um estupro a cada sete minutos na sociedade brasileira. A extrema direita fez e faz da misoginia e do ódio uma ferramenta de poder.

Enquanto isso, no Palácio dos Bandeirantes, em 2023 o Governo de São Paulo empenhou somente 3% do orçamento previsto para as delegacias da Mulher.

Na política, a desigualdade é vergonhosa. Mesmo após o “perigoso” sistema de cotas nos partidos, as mulheres ocupam 17,7% dos assentos na Câmara do Deputados, 26% na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e 16%, em média, nas câmaras municipais. Neste último espaço, a misoginia e a agressão não se limitam e partem, os machos vereadores, para a ameaça física.

Há sombras, mas há luzes também. Falemos da segunda filha da esperança, a coragem que na poesia de Consuelo Lins sobre a mulher, apresenta um caminho:

“Se a natureza lhe deu

maior parte na criação

é chegada a sua vez

de apontar a direção.”

Na história do poder nas sociedades, as mulheres têm sido comparadas, ontem e hoje, às crianças, pois negam sua autonomia e exigem a sua submissão assim como fora para o escravizado e o indígena. Isto explica o silêncio da grande mídia sobre o morticínio diário de milhares de mulheres e crianças indefesas em Gaza. Frei Betto afirma que o que motiva e origina a coragem nas pessoas são as convicções profundas em sua subjetividade, ou seja, a construção interna de um sistema de sentido e razão mais profunda pela qual vale a pena viver. Mulher tomando decisão e apontando a direção para a sociedade é o início do desmoronamento dos pilares do patriarcado, da dominação estrutural e hierárquica do homem sobre a mulher. Foram decisões corajosas de companheiras que impulsionaram os avanços, ainda que pequenos, no empoderamento político, na participação econômica, no nível educacional e na especificidade da sua saúde mulher. A decisão maior será conscientizarmos as pessoas sobre como é organizada e funciona a sociedade. Se compreendermos que a mulher empobrecida que se abstém de um sapato novo para si para conceder a seu filho está tomando uma decisão corajosa, este exemplo poderá nos servir de inspiração em um âmbito mais amplo da sociedade. Inspiração para enfrentar o medo, sair daquilo que foi normalizado e assim questionar as bases do poder tóxico que sustenta a desigualdade. Francisco, o papa, em sua homenagem às mulheres, nos apontou o caminho para mantermos a esperança de um mundo novo: “A mulher tem capacidade de ter três linguagens juntas:

a da mente

a do coração

e a das mãos.

Ela pensa o que sente,

sente o que pensa e faz,

faz o que sente e pensa.”

Convidamos todos e todas a PENSAR, SENTIR e FAZER um Brasil mais justo e igual. Com indignação e coragem. Ana Perugini é deputada estadual, vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa de São Paulo e autora do projeto que garante aposentadoria às donas de casa (‘PIB da Vassoura’)

Fonte e foto: Assessoria da Deputada Estadual Ana Perugini

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