No último dia 15 de abril, a Câmara Municipal de São Paulo deu um passo histórico ao oficializar a criação da Bancada dos Direitos Humanos. Composta por dez vereadores e apoiada por dezenas de entidades da sociedade civil, essa nova articulação parlamentar surge em um dos momentos mais desafiadores da nossa história recente — quando os direitos humanos têm sido atacados, distorcidos e frequentemente desconsiderados pelas estruturas de poder.
A data escolhida para o lançamento da bancada carrega ainda uma forte simbologia: 15 de abril também marca o falecimento de Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau e uma das vozes mais firmes e proféticas na defesa dos direitos humanos no Brasil. Sua vida foi dedicada aos pobres, aos excluídos, à luta pela democracia e à construção de uma Igreja comprometida com os clamores do povo. Que a criação dessa bancada, no mesmo dia em que nos despedimos de Dom Angélico, seja vista como uma de suas muitas sementes germinando em solo fértil — sinal de que sua missão continua, viva e inspiradora.
Dom Angélico nos alertava com sabedoria e coragem: “Não se pode servir a Deus sem servir ao povo. E servir ao povo é lutar por justiça, por dignidade, por direitos. Não há Evangelho verdadeiro sem compromisso com os oprimidos.” Sua palavra, que tantas vezes denunciou as injustiças e animou os movimentos populares, segue ecoando em cada gesto concreto de solidariedade e defesa da vida.
Como defensora dos direitos humanos e integrante da Comissão de Justiça e Paz da CNBB Sul 1, vejo com esperança e responsabilidade esse movimento. A formação da bancada representa uma resposta firme diante do avanço da intolerância, do autoritarismo e da crescente marginalização de grupos historicamente vulnerabilizados. Em um tempo em que a dignidade humana é frequentemente relativizada, é urgente reafirmar que os direitos fundamentais não são negociáveis.
A história dos direitos humanos no Brasil é marcada por conquistas importantes, mas também por enormes desafios. Ainda convivemos com o racismo estrutural, a violência policial, a criminalização da pobreza, o desmonte das políticas públicas e a precarização das condições de vida de milhões de brasileiros. A criação da bancada se soma a uma resistência que não se cala — e que insiste em defender o que é justo.
Entre as pautas prioritárias estão a defesa das populações em situação de rua, dos povos indígenas, da população negra e LGBTQIA+, das mulheres, das pessoas com deficiência e dos idosos. A moradia digna, o acesso à saúde e educação, o combate à violência institucional e a promoção da paz são compromissos centrais dessa frente parlamentar.
Inspirado por essa iniciativa, o deputado estadual Emidio de Souza — que tem longa trajetória na defesa dos direitos humanos — propôs a criação de uma Bancada dos Direitos Humanos também na Assembleia Legislativa de São Paulo. A proposta busca ampliar o alcance dessa articulação em nível estadual, reforçando a necessidade de uma atuação política comprometida com a justiça social e com a dignidade da pessoa humana.
A articulação com a sociedade civil é parte fundamental desse processo. A presença de organizações, pastorais, movimentos populares e coletivos reafirma que os direitos humanos não pertencem a um grupo específico, mas são patrimônio coletivo. Eles se expressam na luta pelo pão, pelo teto, pelo respeito, pela escuta e pela vida em sua plenitude.
A criação da Bancada dos Direitos Humanos é um gesto político e simbólico poderoso. Que ela inspire outras iniciativas no Brasil e se consolide como espaço de escuta, articulação e transformação concreta da realidade. Que possamos, juntos, manter acesa a chama da esperança — e fazer da política um instrumento de serviço ao bem comum.
Porque defender os direitos humanos é defender a própria humanidade.
Artigo de Thais Reichert, membro da Coordenação da Comissão de Justiça e Paz do Regional Sul 1 da CNBB
Foto: Comissão Justiça e Paz da CNBB