De 9 de abril do ano passado, data da sanção da Lei Estadual 17.894/2024, até esta quarta-feira (9), mais de 27 mil crianças em todo o estado de São Paulo foram registradas sem uma informação crucial: o nome do pai. Isso equivale a 5,7% do total de nascimentos. Exatamente para combater a ausência paterna que, mais do que uma lacuna em certidões de nascimento, pode impactar negativamente o desenvolvimento socioemocional da criança, é que surge a legislação paulista de autoria da deputada estadual Ana Perugini (PT).
Com apenas dois artigos, a legislação determina que os cartórios paulistas encaminhem mensalmente à Defensoria Pública paulista (DPE/SP) a lista detalhada de todos os registros de nascimento sem identificação de paternidade. A comunicação obrigatória deve incluir dados como endereço da mãe, contato telefônico e, se houver, o nome e endereço do suposto pai indicado pela genitora.
“A Lei é resultado de 17 anos de luta pela paternidade responsável no estado de São Paulo”, conta Ana Perugini, referindo-se ao tempo de tramitação da matéria na Alesp. O projeto de lei foi apresentado em outubro de 2007. “Temos acompanhado a implementação da Lei por meio de diálogo constante com entidades representativas e a análise de relatórios e dados fornecidos pelos cartórios”, salienta a parlamentar.
Neste primeiro ano de vigência, informa a DPE-SP por meio de nota, os cartórios têm cumprido a determinação legal, encaminhando os dados periodicamente. “No entanto, é importante destacar que a quantidade de registros recebidos ainda não corresponde à totalidade de casos”, citou a Defensoria. A instituição tem trabalhado com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen/SP) e a Corregedoria do Tribunal de Justiça “para padronizar e facilitar o envio dessas informações”.
Com as informações agora repassadas pelos cartórios, a Defensoria pode planejar e executar programas de reconhecimento de paternidade (com o mutirão “Meu Pai Tem Nome”), bem como formular políticas institucionais voltadas ao direito à filiação e ao acesso à identidade civil de crianças e adolescentes. “Esses dados também subsidiam a atuação das equipes na realização de outros mutirões, permitindo uma abordagem mais proativa e territorializada”, ressalta a DPE.
Do espontâneo ao sistemático
A Defensoria Pública de São Paulo explica que os casos de crianças registradas sem o nome do pai chegavam por demanda voluntária. “Antes da Lei 17.894/2024, a Defensoria tomava conhecimento dos registros sem paternidade principalmente por meio de comparecimentos espontâneos, ou seja, quando o próprio responsável legal pela criança procurava atendimento para solicitar a investigação de paternidade.”
“Outra via de acesso era por meio de articulações locais com escolas, conselhos tutelares, unidades de saúde ou envio de casos pelo Poder Judiciário (em razão de resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ), mas sem um fluxo sistemático e estadual de informações como o que passou a ser viabilizado pela legislação”, complementa a nota da DPE.
Avanço para a proteção infantil
Para a DPE, além de facilitar o reconhecimento parental, a norma fortalece o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente “ao possibilitar que a Defensoria atue de forma proativa em defesa de crianças que não possuem o nome do genitor no registro de nascimento”. O órgão pode propor, por exemplo, ação de investigação de paternidade em favor da mãe ou do filho, quando a insuficiência de recursos for comprovada.
“O importante é que a criança tenha o direito ao nome do pai estampado em seu registro de nascimento, pois se trata de um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente) que traz reflexos positivos para o seu desenvolvimento integral”, destaca Luiz Antonio Ferreira, advogado especialista na área da Infância e da Juventude.
Ferreira, que também é promotor de Justiça aposentado, ressalta que assegurar o direito à paternidade é determinante para a formação humana das crianças. “Especificamente em relação à primeira infância, período de suma importância para o pleno desenvolvimento da criança”, frisa. Para o especialista, a participação efetiva do pai nessa fase pode ocorrer de diversas formas, “destacando-se, dentre elas, a necessidade do pleno reconhecimento paterno, de fato e de direito”.
Constitucionalidade questionada
Dois meses após a sanção, a norma teve a constitucionalidade questionada por meio de uma ação judicial movida pela Associação dos Notários e Registradores de São Paulo (Anoreg-SP). A entidade alegava que o estado paulista estaria legislando sobre registros públicos, adentrando em competência privativa da União.
Em janeiro deste ano, após sete meses de análise, o TJ-SP declarou que a Lei 17.894/2024 é constitucional. A corte entendeu que a legislação paulista, ainda que imponha obrigações aos oficiais registradores, está inserida no contexto de reforço da proteção à infância e à juventude, seguindo disposições da Constituição Federal.
A judicialização, no entendimento da deputada Ana Perugini, foi mais uma etapa de consolidação da política pública. “O processo judicial foi uma oportunidade de reafirmar a importância da norma para a proteção dos direitos das crianças, assegurados na nossa Constituição Federal, e para a promoção da justiça social”, enfatiza a autora da Lei.
Fonte e foto: site da Alesp, com informações de Marcello Casal Jr/ Agência Brasil, Bruna Sampaio, divulgação e redes sociais