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Maurici: Privatizada não; Sabesp foi “presente” para empresa iniciante em abastecimento de água

A privatização da maior empresa pública de abastecimento de água do país, a Sabesp, tem tantos furos e vazamentos que todo o seu processo de entrega à iniciativa privada, a rigor, não poderia ser considerado uma concorrência pública. Melhor seria dizer logo que o governo de São Paulo deu o poder de explorar o fornecimento de água para a população paulista como um “presente” à companhia Equatorial Participação e Investimentos, única participante vencedora da primeira etapa da concorrência.

Por que seria um “presente”? Como o próprio mercado avaliou, a Sabesp era tida como a “joia da coroa” do setor. Um investidor chegou a comentar que situações como a venda eram “oportunidades raras” e “que aconteciam só uma vez na vida”.

Única concorrente no certame, a Equatorial levou a primeira etapa da venda de ações da Sabesp na bolsa de valores brasileira, a B3. Pelas normas do edital, tornou-se o investidor de referência da empresa com 15% das ações. Na ponta do lápis, pagaram R$ 67,00 por ação, que era vendida na Bolsa por R$ 78,00. Isso numa situação supostamente concorrencial na qual a expectativa é que o preço aumente e não diminua.

Aliás, o que aumentou foi o próprio valor da Equatorial na Bolsa de Valores. Como dizem: um negócio da China, pois vai desembolsar R$ 6,9 bilhões por uma empresa que só no ano passado lucrou R$ 3,5 bilhões. É importante registrar que a Sabesp teve seu patrimônio avaliado pelo mercado em R$ 39,1 bilhões em 2022.

Pelo menos outros quatro grandes grupos privados de saneamento no país (Aegea, BRK, Iguá e Águas do Brasil) desistiram de apresentar propostas, desestimuladas por uma inédita estrutura de venda da estatal e de governança que nunca foram adotadas em privatizações semelhantes.

Aliás, não será catastrofismo esperar pelo pior. Juntamente com o ineditismo do sistema de governança proposto pelo governo paulista de Tarcísio de Freitas soma-se a inexperiência da própria Equatorial na gestão do setor de águas, uma vez que sua especialidade é fornecimento de energia.

Criada há dois anos, é a responsável pelo abastecimento de apenas 16 cidades no Amapá – menos de 2% do que a Sabesp atende como responsável pelo atendimento de 375 municípios em São Paulo.

Mesmo na área em que alega ser sua expertise, a de energia elétrica, a Equatorial deixa a desejar. No Piauí enfrentou uma CPI por maus serviços, o mesmo acontece desde fevereiro na Câmara Municipal de Porto Alegre. Em sua curta existência já foi multada três vezes pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos do Rio Grande do Sul (Agergs) por não ser capaz de manter o padrão do serviço no mínimo exigido.

E, como acontece invariavelmente nestas situações, com a Equatorial não foi diferente, o serviço piora porque as empresas privadas reduzem quadros técnicos, terceirizam setores de atendimento de campo, entre outras medidas para economizar. Aliás, a imprensa já expôs os planos da empresa para enxugar quadros técnicos com programas de demissão voluntárias, direcionamento maior dos lucros para pagamento de dividendos a acionistas ao invés de investimentos em obras, entre outras medidas gerenciais para redução de custos. Qualquer semelhança com a ENEL em São Paulo e as linhas de trem privatizadas da CPTM não é mera coincidência.

Resta entender as motivações que levaram o governador Tarcísio de Freitas a tamanho açodamento para se desfazer da Sabesp. Para tanto, atropelou ritos legais como a realização de audiências públicas por parte do Legislativo estadual. Também contratou, sem licitação, um estranhíssimo estudo sobre a privatização no qual a remuneração da empresa responsável pelo tal diagnóstico ganharia mais se apontasse a venda da estatal como mais vantajosa. Além disso, o governador do Estado nunca justificou com propriedade a necessidade em se privatizar uma empresa lucrativa e com boa avaliação dos serviços prestados junto à população.

Tarcísio, tampouco, é capaz de explicar as razões pela privatização da Sabesp justo num momento que as principais cidades do mundo que entregaram o saneamento à iniciativa privada estão retomando ao setor público a prestação de serviços. Casos, por exemplo, de cidades da França, Inglaterra, México, Canadá e Alemanha.

Resta agora a segunda parte da licitação. A liquidação do processo está prevista para 22 de julho, quando a participação estatal da Sabesp vai encolher dos atuais 50,3% para 18,3%. Espera-se que, pelo menos desta vez, o governador não resolva “presentear” mais nenhum outro participante. Curiosamente, ou não, todos os leilões de concessões de saneamento promovidos pelo BNDES tiveram concorrência acirrada entre os participantes, como aconteceu no Rio de Janeiro, Ceará, Paraná e Amapá.

Por fim, e também curiosamente, para encerrar a linha de estranhezas e açodamentos do processo. Uma situação particularmente chama a atenção e que não ganhou a devida atenção da imprensa. O “gestor” Tarcísio, como gosta de se apresentar, parece ser muito competente em estruturar leilões dos ativos paulistas nos quais a concorrência se restringe a apenas um participante. Foi assim com o aeroporto de Congonhas, quando ainda era ministro de Bolsonaro, e mais recentemente com o trem intercidades São Paulo – Campinas.

A habilidade em promover concorrências sem concorrentes talvez encontre sintonia com o estranho movimento de uma executiva da então Equatorial, que ganhava nada menos que R$ 1,02 milhão por ano. Agora, essa mesma profissional tornou-se conselheira na Sabesp com salário anual de R$ 106 mil. Detalhe: a renúncia da profissional no cargo da Equatorial aconteceu 23 dias após a privatização da Sabesp ter sido aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

Aparentemente, a movimentação não é ilegal, mas é absolutamente suspeita uma vez que a executiva foi convidada a participar de várias reuniões do Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização (CDPED).

Diante de tantas estranhezas, suspeitas e indícios, todo o processo de privatização da Sabesp merece ser objeto de investigação por parte dos órgãos competentes, e em particular, a Justiça que até aqui tem sido bastante “compreensiva” com o governador Tarcísio neste caso. À sociedade civil cabe seguir com as mobilizações para reverter um dos maiores “assaltos” ao patrimônio público do Estado de São Paulo. Uma luta na qual nós, da bancada de oposição na Alesp e representantes de outros espaços legislativos, como as câmaras municipais, também seguimos entrincheirados nestas difíceis, mas não impossíveis, batalhas travadas diariamente em defesa da Sabesp.

Artigo do deputado estadual Maurici (PT-SP)

Publicado originalmente no GGN

Foto: Alesp

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