Crianças alimentadas pela comida saudável da cozinha solidária Sol Nascente (DF)
Quando Talita Marques da Silva vê os pratos dos filhos Emanuel, Débora e Rebeca com arroz, feijão, calabresa acebolada, legumes e hortaliças fresquinhos na Cozinha Solidária de Sol Nascente, no Distrito Federal, a ponta final de uma série de elos de políticas de segurança alimentar se concretiza.
A refeição saudável e gratuita servida diariamente é produzida pelas cozinheiras do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Cozinheiras que recebem com frequência na porta do estabelecimento o caminhão que faz o transporte de caixas com verduras e legumes cultivados por agricultoras familiares da região.
“Tem me ajudado muito. Às vezes não tem nem o que comer em casa e a gente vem, trago meus filhos para almoçar e eles nos servem muito bem. As refeições são ‘super ótimas’. Quando dá a hora do almoço, meu filho já pede: ‘mãe, vamos para a cozinha, vamos para a cozinha’”, relata Talita, que é beneficiária do Bolsa Família.
Parte das hortaliças consumidas pela família de Talita são produzidas pelas mãos de Ivanildes Sousa ao lado de outras 25 mulheres no Assentamento Canaã, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Brazlândia (DF). Elas semeiam, adubam, cultivam, evitam as pragas e colhem café, tomate, banana, maracujá, ervas e oleaginosas orgânicas. Produzem sabendo que toda a comercialização está garantida.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Governo Federal, faz a compra direta dos produtos e garante que toda uma cadeia virtuosa em prol da alimentação saudável se sustente. Além de cozinhas solidárias, os ingredientes chegam à merenda escolar de escolas públicas, hospitais, restaurantes comunitários e instituições de assistência social.
184 mil toneladas
Retomado em 2023, o PAA ultrapassou a marca de 21,75 mil toneladas de alimentos doados pelo Governo Federal de janeiro a maio de 2024, a partir de um investimento de R$ 117 milhões do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Em 2023, foram 163 mil toneladas, resultado de um aporte de R$ 1 bilhão. A produção foi distribuída a 9.565 entidades e gerou renda a 81.707 agricultores familiares, 61% deles mulheres. Desde a recriação, há uma diretriz no PAA que garante que o percentual de agricultoras mulheres seja ao menos de 50%.
“Tem produtor aqui que não tinha para onde escoar a produção e agora está vivendo disso. Tem pessoas arrumando suas casas com o programa e outras em que a alimentação vêm do PAA. Já estamos no segundo projeto de R$ 15 mil, e o nosso primeiro foi de R$ 8 mil”, afirmou Ivanildes Sousa. “Se colho meia caixa de cenoura, mando o que colhi. Já plantamos sabendo o destino. Fornecemos alimentos orgânicos, sem veneno algum. O PAA dá muita sustentabilidade à nossa associação”, completou. Na Associação Agroecológica Mulheres Rurais do Assentamento Canaã, o empoderamento feminino cresce com as plantações cuidadas pelas mulheres. Das 25 agricultoras associadas, 23 vendem as produções por meio do PAA do Governo Federal.
Teto ampliado
O PAA tem no DNA o incentivo à agricultura familiar e a promoção da inclusão econômica e social, com fomento à produção sustentável, ao processamento de alimentos e à geração de renda. No último ano, passou a contar com teto ampliado (de R$ 12 mil para R$ 15 mil) nas modalidades Doação Simultânea e Compra Direta, além da simplificação de documentos para facilitar a participação de indígenas e comunidades tradicionais no programa. A prioridade de atendimento é a famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). Um Comitê de Assessoramento com 12 órgãos federais e cinco conselhos ampliou a participação da sociedade civil na gestão.
“O PAA compra alimentos da agricultura familiar e garante que agricultores familiares, sejam mais vulneráveis ou mais organizados, tenham oportunidade de comercialização com preços justos. E, por outro lado, doa os alimentos a quem precisa comer — seja por meio da rede socioassistencial, de saúde, de educação pública, sistema prisional e equipamentos de segurança alimentar e nutricional, como restaurantes populares, cozinhas solidárias, cozinhas populares, bancos de alimentos”, resume a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, Lilian Rahal.
Ela ressalta a característica do PAA de profissionalizar e otimizar o trabalho de homens e mulheres do campo. “É a porta de entrada da agricultura familiar para os mercados, especialmente da agricultura familiar menos organizada ou mais empobrecida, ou com dificuldade de acesso. E para os mais organizados é uma oportunidade não só de comercialização, mas de ocupar outros espaços e programas públicos de compras de alimentos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) ou as compras institucionais feitas pelas Forças Armadas, hospitais e órgãos públicos”, explica.
Retomada da Conab
O PAA é um dos principais programa operacionalizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). A Conab atua para tornar o governo um grande cliente da agricultura familiar e funciona como elo de armazenamento e distribuição da produção. “A decisão foi fazer a forma mais rápida desse alimento chegar na mesa de quem está passando necessidade. A compra com doação simultânea foi a opção”, explica Edegar Pretto, presidente da entidade.
Combate à fome
Criado em 2003, o PAA é considerado peça fundamental na estratégia nacional de tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU, que ocorreu em 2014, aliado a outras políticas sociais, como o Bolsa Família e o Fome Zero.
Como o problema da fome voltou a ser realidade no país segundo, a retomada do PAA com protagonismo em 2023 veio em parceria com políticas públicas e o Plano Brasil Sem Fome. O plano envolve 80 ações e programas, com mais de 100 metas propostas pelos 24 ministérios que compõem a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).
Esse objetivos são organizados em eixos como acesso a renda, redução da pobreza e promoção da cidadania; alimentação adequada e saudável que vai da produção ao consumo, além da mobilização para o combate à fome em todo o território nacional.
Com isso, se em 2022 eram 33,1 milhões de pessoas no Brasil no Mapa da Fome da ONU, em 2023 o número caiu potencialmente para 8,7 milhões. Passou de 15,5% da população brasileira para 4,1%, queda de 11,4 pontos percentuais. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada em abril pelo IBGE.
As metas do governo brasileiro são retirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030, reduzir, ano a ano, as taxas totais de pobreza e reduzir a insegurança alimentar e nutricional.
Cozinha solidária
Um dos vários componentes importantes desta rede são as Cozinhas Solidárias, que passaram a ser consideradas políticas sociais cruciais no combate à insegurança alimentar e nutricional. O programa foi regulamentado em março de 2024 pelo presidente Lula e, atualmente, há 47 cozinhas distribuindo refeições gratuitas para ajudar no combate à fome em 13 estados e no Distrito Federal. Agricultores e agricultoras familiares conectados a esses serviços pelo PAA são alguns dos fornecedores principais dos ingredientes usados para preparar as refeições.
“As Cozinhas Solidárias, por exemplo, no Rio Grande do Sul, tiveram atuação muito forte, antes ainda das enchentes deste ano, em que foram essenciais. Na pandemia de Covid-19, foram essas entidades que se mobilizaram para fazer solidariedade. Os assentados da reforma agrária, da agricultura familiar, que foram para as periferias, durante a pandemia, levar alimentos”, relata Edegar Pretto.
Sabores e saberes
Alguns dos elos dessa cadeia produtiva se unem na hora em que o caminhão com os produtos estaciona na porta da Cozinha Solidária de Sol Nascente. Enquanto o motorista retira as caixas com hortaliças do veículo, as cozinheiras organizam as despensas ao mesmo tempo em que preparam as refeições, servidas gratuitamente à população economicamente vulnerável.
A cidade é considerada pelo Censo 2022 do IBGE o segundo maior aglomerado subnormal (favela) do Brasil em número de domicílios. Cerca de 100 pessoas almoçam diariamente ali.
Maria do Socorro mora na região e prepara as refeições com orgulho. Para ela, há uma expressão para definir o local: “É um espaço de sabores e saberes. Os sabores é sobre a comida, que é realmente muito boa, todo mundo elogia. Os saberes é que, além da comida que a gente serve, servimos acolhimento, porque muitos chegam aqui com problemas e procuramos estar juntos para resolver. Acaba sendo um espaço terapêutico”, explica.
“Alimentar uma comunidade não é fácil, mas, desde que a gente começou aqui, porque essa cozinha foi nós que construímos, ver tudo isso materializado é muito bom. Alimentar pessoas nos alimenta. O ruim é quando chega alguém e você tem que dizer que não tem mais, mas enquanto estamos enchendo pratos, o serviço é muito gratificante”, completa.
Sobre a qualidade dos ingredientes recebidos, ela elogia: “Os produtos são orgânicos e muito bons. A gente serve comida sem agrotóxicos, fico sem palavras em descrever como é servir esse tipo de comida para as pessoas”.
INDÍGENA/QUILOMBOLA — A retomada do PAA trouxe a perspectiva de ampliar a compra da produção agrícola de indígenas, quilombolas, extrativistas e outros povos de comunidades tradicionais. Os agricultores fornecem os alimentos e recebem pelo fornecimento da produção que é levada para escolas indígenas, polos-base Casas de Saúde Indígena.
“A gente está permitindo a compra e a doação de alimentos dentro da Terra Indígena, para os equipamentos que estão na terra indígena, justamente para criar esse circuito e oportunizar para que indígenas não só possam fornecer comida, mas que quem come ali coma de acordo com os hábitos alimentares daquele grupo específico”, explica a secretária Lilian Rahal.
“Eles precisam comer, não podem passar fome, então o governo muitas vezes fornece cestas de alimentos, mas nem sempre são as mais adequadas aos hábitos daqueles grupos, então com o PAA a gente faz esse esforço de recuperar a capacidade produtiva de acordo com os hábitos daquela população”.
PAA LEITE – Há também uma modalidade específica chamada PAA Leite, que opera nos estados do semiárido – estados do Nordeste e norte de Minas. É executado pelos estados, responsáveis por selecionar agricultores, comprar o leite, contratar uma rede de laticínios para pasteurização e doar a bebida a famílias e organizações que fornecem refeições para famílias que precisam.
COMPRA INSTITUCIONAL — Outra modalidade no PAA é a Compra Institucional, que permite a órgãos das três esferas de governo comprarem produtos da agricultura familiar para atendimento de demandas, por chamadas públicas com dispensa de licitação. As compras são permitidas para quem fornece alimentação, como hospitais públicos, Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea, sistema prisional, restaurantes universitários, hospitais universitários, refeitórios de creches e escolas filantrópicas.
REFERÊNCIA — A operação do PAA é considerada tão exitosa que inspirou programas semelhantes em âmbito de estados e municípios. Com suas particularidades, há versões similares em estados como Paraná, Ceará, Rio Grande do Norte e São Paulo.
PLANO SAFRA AGRICULTURA FAMILIAR – Em outra vertente para organizar, modernizar e aprimorar a estrutura da agricultura familiar, o Governo Federal lançou nesta semana a maior edição de Plano Safra da Agricultura Familiar da história. São R$ 76 bilhões em crédito com juros baixos e condições favoráveis para incentivar agricultoras e agricultores familiares que querem produzir alimentos imprescindíveis à alimentação da população brasileira .
Informações da Agência Gov | Via Secom/PR
Foto: Estevam Costa/PR)