Uma Sessão Solene, realizada nesta segunda-feira (15) no Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, celebrou os 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A mobilização social surgida em 1984 com o objetivo de realizar a reforma agrária e fortalecer a agricultura familiar no Brasil segue com seus ideais, mas também passa por transformações que a tornaram um segmento organizado que levanta as bandeiras da produção de alimentos agroecológicos, cooperativas de trabalho e uso da terra de forma sustentável. O evento, que contou com a presença de assentados e lideranças sociais e políticas, foi proposto pelo deputado Simão Pedro (PT), com a adesão de outros 23 parlamentares, do próprio PT, Psol e PCdoB.
Em sua história até aqui, mais de 400 mil famílias ligadas ao MST já foram assentadas e garantiram um pedaço de chão para produzir. Um exemplo da atuação do movimento nos dias de hoje pode ser notado pelo fato de seus membros responderem, há mais de dez anos, pela maior produção de arroz orgânico da América Latina. Foram colhidas cerca de 16 mil toneladas na safra 2022/2023, em uma área de 3,2 mil hectares no Rio Grande do Sul. A produção, que envolve 352 famílias em sete cooperativas, ocorreu em 22 assentamentos localizados em nove municípios gaúchos. As principais variedades plantadas são de arroz agulhinha e cateto. As informações são do Instituto Riograndense de Arroz (Irga).
Já em Rondônia, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná cinco mil famílias, distribuídas em 120 territórios, produzem café. No extremo Sul baiano existe a tradição na produção de chocolate, que vai desde o plantio do cacau. Em paralelo, nas regiões Sul e Sudeste do País vivem 5,5 mil famílias assentadas do MST produtoras de leite. A fabricação de queijo, manteiga, requeijão e iogurte é possível graças aos 37 milhões de litros de leite obtidos por mês, gerando alimento para três milhões de pessoas. Além disso, são produzidos em diversos outros municípios brasileiros feijão, farinha, batata, mandioca, tomate, cenoura, legumes, verduras e açúcar.
Nova visão
O deputado proponente da homenagem lembrou que é preciso encarar o MST com um olhar mais positivo, como um movimento que pode impulsionar a produção de alimentos, gerar empregos e uma nova visão do uso da terra. “A nossa homenagem ao MST é por tudo que ele já produziu de coisas boas para o País, principalmente para a população mais pobre. São 400 mil famílias assentadas, pessoas que recuperaram a sua dignidade e estão trabalhando”, apontou Simão Pedro. “Esse é um reconhecimento do Legislativo Paulista a esse movimento que é muito estigmatizado e envolto em preconceito. Precisamos apoiá-lo porque é uma luta justa para mudar a estrutura fundiária desse País; para que mais pessoas possam trabalhar na terra e produzir alimentos, que é o que nós precisamos”, acrescentou o parlamentar.
Simão Pedro apontou ainda que a Alesp é uma caixa de ressonância da sociedade, que realiza debates sobre os interesses da indústria, do grande agronegócio, sobre Educação, Saúde e funcionalismo público, por exemplo. “Mas também há espaço para os trabalhadores assentados e para a luta do pequeno agricultor. As pautas da reforma agrária, da produção de alimentos e do trabalho rural são importantes para o povo de São Paulo”, concluiu ele.
O colega Paulo Fiorillo (PT) comentou sobre o papel do MST daqui para frente. “O MST representa o avanço da luta pela reforma agrária, algo importante que significa dividir terras ociosas que podem se transformar em áreas produtivas. Esse legado tem de ser reconhecido. O MST do século 21 é aquele que se preocupa com as mudanças climáticas, pensa em incluir de fato aqueles que querem produzir no campo. Mas também é aquele que disputa mercado com uma qualidade superior à do agronegócio”, disse ele.
Desigualdade
Já para o deputado Guilherme Cortez (Psol), valorizar a atuação do MST é reparar uma injustiça histórica de má distribuição da terra. “É muito importante a gente entender que, desde o período da colonização do Brasil, a distribuição das terras é marcada por uma profunda desigualdade. É por isso que surge o MST. Lutar pela reforma agrária nada mais é do que agir por uma redistribuição justa das terras em nosso País, para dar a possibilidade de todos que morem no campo e queiram produzir tenham acesso ao seu espaço”, destacou o parlamentar, também levantando a necessidade de um olhar diferenciado ao movimento por parte da sociedade.
“Muito ao contrário do que se fala, de que o MST é um movimento ilegal ou terrorista, ele luta por um preceito básico da nossa Constituição, que é o de respeitar a função social da terra. Ela existe para produzir alimento para a população. Hoje, o MST, muito além de sua luta histórica pela reforma agrária, atua pela agroecologia. Nesse momento em que vivemos uma crise emergente na área ambiental por conta das mudanças climáticas, o movimento pauta a necessidade de fazermos uma transição ecológica, com uma produção sustentável. Então, o MST hoje também luta por um modelo de produção no campo que seja ambientalmente equilibrado”, completou Cortez.
A deputada Monica Seixas do Movimento Pretas (Psol) destacou que a organização nascida no campo luta pela verdadeira democracia até hoje e que está com a justiça ao seu lado. “Crime é a terra degradada que não cumpre a sua função social. Crime é manter o povo alijado de direitos constitucionais como terra, moradia e comida”, disse ela. A colega Márcia Lia (PT) veio a seguir para reforçar que o Parlamento Paulista está sintonizado com as demandas do movimento. “É muito importante mostrar que nós, aqui nessa Casa, seguimos em luta. Não abriremos mão dos direitos do povo da roça”, garantiu.
Confiança
Integrante da direção estadual do MST, Jade Percassi, alertou para as milhares de famílias que ainda não garantiram o seu espaço no País. “Ainda temos pessoas vivendo debaixo da lona preta porque a reforma agrária ainda não foi feita. Mudanças profundas têm que acontecer agora”, apontou, mas sem perder a confiança para as próximas décadas. “Daquilo que a gente vem construindo, apesar das dificuldades, da falta de recursos e apoio, e de toda a criminalização que acompanha, temos uma perspectiva muito bonita do que pode vir a ser”, afirmou ela. A mesma confiança era percebida na participação de Pedro Rocha, integrante do MST há 25 anos, dono de seu pedaço de chão no assentamento “17 de abril”, localizado na Fazenda Boa Sorte, no município paulista de Restinga. “Além da conquista de um pedaço de terra e de garantir a comida para a minha família e outras tantas pessoas, estar no MST foi conquistar todo um conhecimento que adquiri nessa verdadeira revolução cultural que vivemos. Produzo alimento para matar a fome do povo, e a minha também”, comentou o agricultor que planta feijão, milho e muitas outras variedades.
Transformação
Convidado para a cerimônia, Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, reforçou o caráter de transformação pela qual o movimento passou nas últimas quatro décadas e afirmou: “Nós somos os primeiros a querer acabar com o MST. Para fazer isso, é fácil: tem que acontecer a reforma agrária”.
A liderança do movimento apontou que, hoje, no Brasil, existem 850 milhões de hectares de terra e desse total apenas 80 milhões são utilizados para o plantio. Dessa parcela, 60 milhões são para soja e milho voltados à exportação para “alimentar porcos e vacas na Europa e na Ásia”, de acordo com Mauro. “Somente 14 milhões de hectares são destinados a feijão, arroz, mandioca, batata, legumes e verduras. Em paralelo, temos 20 milhões de pessoas passando fome e quase a metade do povo desnutrido. Pensar numa reforma agrária é resolver isso”, opinou.
Ainda de acordo com Mauro, o MST surge na década de 1980 reivindicando a reforma agrária que, na verdade, é uma bandeira burguesa da Revolução Francesa. “No começo, nós queríamos apenas um reparto fundiário e, com o passar dos anos, nós fomos descobrindo que uma reforma agrária de verdade não é só repartir a terra, mas também é fundamentalmente pensar em uma reforma que envolva Educação, Saúde, produção agroecológica, boa alimentação, tecnologia. É isso que nós defendemos”, afirmou o representante da coordenação nacional.
Para finalizar, Mauro deu seu ponto de vista em relação ao que esperar do MST para o futuro. “Hoje, a questão do uso da terra tem a ver com preservação ambiental. Num momento em que a Humanidade vive esse dilema das mudanças climáticas, nós não temos nenhuma dúvida de que fazer uma maior distribuição é ajudar a cuidar do planeta”, insistiu ele. “Nós defendemos que a função social da terra, estabelecida pela Constituinte Brasileira, que é a de produzir racionalmente e respeitar as legislações trabalhista e ambiental, deveria ser seguida à risca. Para isso, temos milhões de hectares de terra para a reforma agrária”, concluiu.
Assista ao evento, na íntegra, na transmissão feita pela TV Alesp:
Fonte: Alesp
Foto: Rodrigo Costa