No Dia Mundial da Alimentação, segunda-feira (16), foi criada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Frente Parlamentar pelo Ciclo Alimentar Sustentável. O grupo é composto por 25 parlamentares, de cinco partidos, e tem o objetivo de ampliar sua atuação para além do Legislativo estadual. O evento de lançamento foi coordenado pelo proponente, o deputado Simão Pedro (PT), e contou com a participação de diversos representantes de movimentos sociais, acadêmicos e pesquisadores.
“É um dia muito especial para todos nós. Estamos construindo uma rede nacional de parlamentares que vão trabalhar juntos e desenvolver legislações em prol da agroecologia, alimentação saudável, reciclagem e compostagem”, afirmou Pedro. “Não queremos que a Frente Parlamentar seja só dos deputados e deputadas [da Alesp]. Nosso desafio aqui é criar uma comissão que tenha a nossa ação parlamentar, mas também a representação da sociedade civil. Queremos que esse tema tenha continuidade nesta Legislatura e se alie a outras Frentes aqui da Casa”, acrescentou o deputado.
Emergência climática
A cientista social Mariana Souza, que integra o mandato da deputada Paula da Bancada Feminista (Psol), ressaltou a importância do novo grupo criado, dos pontos que podem ser trabalhados ao longo da Legislatura e do papel da agroecologia em benefício da população, principalmente a mais pobre. “É uma honra participarmos dessa Frente. O nosso mandato tem como uma das principais pautas o combate à fome e a luta por soberania alimentar e fomento da agroecologia enquanto movimento social e modo de produção”, disse Mariana. “O combate à fome está fadado ao fracasso se insistirmos no atual modelo de agricultura e distribuição de alimentos. Nunca se produziu tanto, mas a insegurança alimentar continua atingindo grande parte da nossa população”, reforçou.
Ainda de acordo com Mariana, a agroecologia, enquanto técnica e política, em conjunto com a demarcação de terras indígenas e quilombolas, políticas de reforma agrária, agricultura urbana e de incentivos financeiros e técnicos à transição ecológica são as únicas saídas possíveis para garantir comida de qualidade e em quantidade suficiente para todos. “A agroecologia também representa um caminho fundamental para a contenção da emergência climática e da crise ecológica que o planeta atravessa”, apontou a cientista social.
Projeto de Lei
O deputado Simão Pedro ainda aproveitou o momento para anunciar que vai protocolar nos próximos dias – em conjunto com todos os colegas que apoiam a iniciativa – um Projeto de Lei de autoria coletiva que trata da gestão de resíduos sólidos e orgânicos, envolvendo a compostagem, para o Estado de São Paulo. A inspiração é uma proposta semelhante existente em Florianópolis (SC), onde mais de 7,5 mil toneladas de resíduos orgânicos foram compostadas apenas em 2022. A ação é consequência de uma lei de 2019, que tornou obrigatório o tratamento de resíduos orgânicos por meio de processos de reciclagem e compostagem na capital catarinense.
A hora é agora
Em sua participação no evento, o professor Luiz César Marques Filho, da Unicamp, autor do livro “O Decênio Decisivo: Propostas para uma Política de Sobrevivência”, fez uma apresentação recheada de números que mostraram claramente a escalada da fome no Brasil e no mundo. Seu estudo publicado pode ser acessado gratuitamente no https://www.academia.edu/107898713/_2023_O_dec%C3%AAnio_decisivo_Propostas_para_uma_pol%C3%ADtica_de_sobreviv%C3%AAncia
Baseado em estudos e levantamentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre 2014 e 2020, houve um aumento progressivo da insegurança alimentar no planeta. Ainda em 2020, um patamar de 14% da população da América Latina e Caribe, por exemplo, passava fome. Em 2021, esse universo teve o acréscimo de mais 46 milhões de pessoas. Pandemia da covid-19, guerra na Ucrânia, impactos da emergência climática e especulação financeira foram os principais agentes causadores do problema.
De acordo com Marques Filho, as evidências mais recentes sugerem que o número de pessoas incapazes de pagar por uma dieta saudável em todo o mundo chega a 3,1 bilhões. “Os eventos climáticos, mais frequentes e severos, estão interrompendo as cadeias de abastecimento, especialmente em países de baixa renda”, apontou o professor da Unicamp.
Deixar de comer; dar aos filhos
No Brasil, o cenário é de alerta, ainda segundo Marques Filho. Em 2020, exatos 59,4% da população sofriam algum grau de insegurança alimentar. Isso representa 125 milhões de pessoas. Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam que esse patamar representou quatro vezes o aumento da média verificada no mundo entre 2019 e 2021.
Em 2021, 36% dos brasileiros afirmaram que, em algum momento, faltou dinheiro para comprar alimento. A camada feminina da população foi a mais atingida, já que muitas mulheres deixaram de comer para dar para aos filhos. Um retrato que pode ser transformado com políticas públicas sérias e constantes, como as que a Frente Parlamentar da Alesp se propõe a plantar nos próximos anos.
Fonte: Fábio Gallacci – Alesp
Foto: Bruna Sampaio – Alesp